terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Aprovação na prova não é garantia da vaga

O direito adquirido possui conceito mais simples do que sua aplicação em cada caso concreto.
Por Renato Campos Andrade*
Alguns conceitos jurídicos são amplamente propagados e discutidos no linguajar popular. Entre eles, o direito adquirido, cuja amplitude e definição são tratadas de maneira equivocada nas mais diversas situações.
O famoso direito adquirido é difundido especialmente quando se trata de vagas em concursos, principalmente para candidatos aprovados sem cumprir certos requisitos de titulação ou idade. Pode um estudante de ensino médio, aprovado em um vestibular de curso superior, ingressar na faculdade sem ter concluído o ensino médio? E um aluno que não concluiu o ensino superior, aprovado na OAB, deve esperar a colação de grau? Por fim, um candidato, aprovado em concurso público, possui direito adquirido à nomeação?
Tais questões foram debatidas por nossos articulistas e merecem atenção especial. Primeiramente é preciso delimitar, ainda que de forma superficial, o que é direito adquirido.
O Decreto-Lei 4.657/42, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que se encontra em anexo ao Código Civil, mas é autônomo deste, define o instituto como "os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem". Trata-se de um direito que já foi incorporado ao patrimônio do titular, porém, o exercício ou fruição depende de um acontecimento futuro, que pode ou não ocorrer. Isto é, possui o direito, só que não pode exercê-lo por depender de um acontecimento remoto.
Tal direito serve para proteger as pessoas que atingiram certos requisitos na vigência de uma lei que, posteriormente, foi alterada. Por exemplo, a lei A permite ao cidadão se aposentar ao completar 45 anos. Porém, se esta norma for revogada pela Lei B, que determina que a idade seja de 55 anos, o cidadão que completou 45 anos de idade na vigência da lei A tem direito adquirido à aposentadoria, mesmo que a nova lei exija tempo maior.
A palavra "lei" deve ser interpretada de forma ampla, no sentido de norma emanada por autoridade competente. Ou seja, pode servir para editais e atos normativos e, por isso, a princípio, pode ser aplicada nos casos citados acima. No entanto, há de se analisar de maneira mais específica cada situação.
A primeira a ser tratada será a possibilidade de se compelir uma universidade a reservar uma vaga ao estudante aprovado no vestibular, que ainda não concluiu o ensino médio.
O advogado, professor e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-MG, Raphael Boëchat Alves Machado, aborda a questão sob o enfoque da intervenção do Estado na esfera individual. No artigo “Até onde o Estado pode interferir na vida das pessoas?”, ele faz um questionamento bastante inquietante: "o estudante bem sucedido no exame admissional deve respeitar os requisitos da conclusão do ensino médio, como manda a lei?".
Ele aborda a justiça distributiva quanto ao acesso da pessoa no ensino superior, bem como o ganho ou perda social em se impedir o ingresso de quem teve capacidade de ser aprovado na prova, mesmo sem possuir o requisito formal de ter completado o ensino médio.
O Judiciário trata a questão de maneira a considerar como imprescindível a conclusão do segundo grau, ressalvadas algumas decisões isoladas em sentido contrário.
A jurisprudência entende que, caso o pedido de ingresso no curso superior tenha sido acatado pelo juiz de primeira instância, diante do lapso temporal entre a decisão permissiva e o acórdão a ser proferido pelo órgão colegiado (em grau de recurso), tem-se adotado a teoria do fato consumado, visto que até a decisão final o estudante já terá concluído o ensino médio, devido à morosidade judicial.
Essa questão gera grande debate no Poder Legislativo. Tanto que já foi apresentado um projeto que previa a possibilidade do término do ensino médio juntamente com o curso do ensino superior. Essa iniciativa foi rejeitada, entretanto, outra proposta em trâmite, como o PL 690/15, que admite a matrícula do estudante que, ainda cursando o ensino médio, tenha sido aprovado em processo seletivo e obtido pontuação no Exame Nacional de Ensino Médio que o habilite ao certificado de conclusão desse nível de ensino.
A segunda situação diz respeito à possibilidade de prestar o exame da OAB antes da conclusão do curso de bacharelado, bem como ser considerado aprovado antes da colação de grau.
O servidor público federal e professor Marcos Henrique de Carvalho, no artigo "Exame da Ordem garante a excelência da advocacia" reconhece a função do advogado na administração da justiça. Entretanto, a Lei 8.906/94 exige, para o registro na Ordem dos Advogados do Brasil e consequente permissão para o exercício da advocacia, a aprovação na prova, além da conclusão do curso de bacharel em Direito.
A questão é menos polêmica, pois, atualmente, já se prevê a possibilidade de prestar o exame a partir do nono período e conseguir o certificado de aprovação. E a jurisprudência não tem admitido a aprovação na OAB de candidato que não esteja no último ano do curso.
Até o momento, vê-se que não existe direito adquirido quanto ao aprovado que não tenha cursado o ensino médio ou concluído o ensino superior, contrariando o que o senso comum apregoa.
Por fim, existe a relevante a questão da aprovação em concurso público e expectativa de nomeação. Já no título de seu artigo - “Visão do STF sobre a expectativa de nomeação em concurso” -, o advogado e membro efetivo da Comissão de Assuntos Temáticos de Direito Penitenciário da 13ª Subseção da OAB em Uberlândia, Luiz Otavio Carneiro de Rezende Neto, trata do direito adquirido, com exceção a situações excepcionalíssimas e bem peculiares.
Mas a questão fica tormentosa quando “o candidato é aprovado em posição excedente ao número de vagas previstas em edital, só que, mesmo antes do término da vigência do referido concurso público, a Administração lança outro edital para o preenchimento daquelas vagas ociosas”.
De acordo com Luiz Otavio, o fato de estar aprovado em número excedente não gera direito adquirido de nomeação. Todavia, ao tempo da vigência do edital, não pode a Administração Pública abrir outro concurso para preenchimento de novas vagas, sem antes nomear os aprovados no primeiro certame.
Enfim, tem-se que o direito adquirido possui conceito mais simples do que sua aplicação, devendo a doutrina e jurisprudência socorrer o juiz para o julgamento do caso concreto. Afinal, nem toda situação atrai esse instituto.

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*Renato Campos Andrade é advogado, professor de Direito Civil e Processo Civil da Escola Superior Dom Helder Câmara, mestre em Direito Ambiental e Sustentabilidade, especialista em Direito Processual e em Direito do Consumidor.

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