Tenho saudades do menino que foi meu filho.
Por Ricardo Soares*
Passa tudo muito rápido. Um dia você olha para o lado e descobre que seu filho já esta fazendo barba, engrossando a voz e se preocupando com algo além de jogos de futebol e monstrinhos japoneses. Ele já não te acha o super-herói que sabe tudo ,duvida de suas promessas, questiona seus atos e não obedece a suas ordens na primeira voz de comando. Muitas vezes nem na segunda.
Tenho saudades do menino que foi meu filho. Tenho saudades de como eu e a mãe dele planejávamos o melhor dos futuros para ele em um mundo sem dissabores, contrariedades ou frustrações de grande ordem. Lembro que combinávamos estratégias em comum para a educação do menino e de como fizemos um pacto para que a palavra de um nunca fosse desautorizada na frente do filho. Mesmo que a gente não concordasse com certas coisas sobre a educação do menino discutiríamos as diferenças longe dele para dar sempre a impressão de que estávamos unidos, coesos , que mantínhamos uma estratégia comum em relação a tudo que dissesse respeito ao nosso rebento.
Parece que os pactos foram feitos para serem rompidos . Assim sendo muitas vezes eu desautorizei a mãe do meu filho na frente dele e vice- versa. Também não a respeitei em muitas outras ocasiões e fui desrespeitado por ela outras tantas vezes. Discutimos na frente dele, trocamos palavras rudes, acidas e amargas que tenho certeza que ficaram naquela cabecinha . Os olhos daquele menino olhavam em volta então como se quisesse estar longe da discussão e não foram poucas as vezes que começou a cantar no meio de nossas brigas.
Lembro de tudo isso sem culpas , sem remorsos. Apenas lembro disso junto com as roupas que ele usava na primeira infância como um conjunto de shortinho azul e camisa branca, como um bonezinho alaranjado, como um carrinho sem rodas que ele insistia em esfregar naquele velho carpete do apartamento de dois quartos.
Sei, sabemos, na maioria das vezes, quais lindas lembranças temos de nossos filhos. Mas já paramos algum dia para saber que lembranças, às vezes tristes,eles guardam de nossas incongruências,fraquezas e fracassos? Sem querer fazer auto- ajuda , educar é isso. Lidar com nossas impossibilidades, com os pontos onde falhamos e tentar ver a perspectiva da tal “educação” pelos olhos de uma criança que um dia será um adulto e pode nos julgar , injustamente, por aquilo que não revelamos.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, jornalista e roteirista. Autor de sete livros foi cronista dos jornais “O Estado de S.Paulo”, “Jornal da Tarde” e revista “Rolling Stone”. Escreveu e apresentou o programa “Metrópolis” da Tv Cultura e dirigiu TRIP entre outras revistas.
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