A divulgação pelo juiz Sérgio Moro, nessa quarta-feira (16), de uma conversa telefônica entre a presidente Dilma Rousseff e seu antecessor e novo ministro chefe da Casa Civil, Luiz Inácio Lula da Silva, grampeada com autorização do magistrado, atendendo ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) devido às investigações da Operação Lava Jato, abalou o cenário político brasileiro e levou milhares de pessoas a protestarem pelas ruas do país. O Dom Total segue acompanhando a repercussão da divulgação do grampo, que será analisada por juristas, professores de Direito,especialmente da Escola Superior Dom Helder Câmara, ao longo de todo o dia de hoje!
Em conversa gravada às 13h32 de ontem pela Polícia Federal, Dilma disse a Lula que enviaria o termo de posse ao ex-presidente para que pudesse “usá-lo em caso de necessidade”.
Ameaçado de prisão por suposta ocultação de patrimônio no âmbito do escândalo da Petrobras, Lula foi nomeado chefe da Casa Civil de Dilma e tomou posse nesta manhã. A presidente negou que essa tenha sido uma manobra para garantir foro privilegiado ao seu padrinho político, tirando-o da mira de Moro.
Em nota publicada à noite, o Planalto anunciou que adotará “todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação da flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento”.
No comunicado, a Presidência alega que a conversa se referia a uma consulta sobre a necessidade de fazer chegar a Lula o documento de sua nomeação, para que o assinasse. Segundo o texto, ainda não estava confirmado se ele poderia assistir à cerimônia prevista para esta quinta.
Análises
André Myssior
Advogado, professor de Processo Penal e mestre em Ciências Penais
“A divulgação por Sérgio Moro foi legal?
Sim. As gravações são, a princípio, sigilosas. Entretanto, a partir do momento em que o juiz responsável pela diligência revoga o sigilo, não há mais sigilo a violar. Pode-se contestar a medida, alegando-se indevida exposição da intimidade dos interceptados na gravação. Entretanto, considerando o teor das conversas, a proteção à intimidade deve ceder ante o incontestável e imenso interesse público na ciência dos graves fatos apurados. Trata-se de decisão que assegura o acesso, à sociedade e às instâncias políticas, a fatos e ações que põem em risco a higidez e correto funcionamento das instituições da República. Neste caso particular, justifica-se a não preservação da intimidade dos interceptados, ante a necessidade premente de viabilizar o debate público sobre ações claramente direcionadas a impedir e embaraçar as investigações em curso.
Tampouco há que se falar em eventual incompetência do juiz que revogou o sigilo e deu publicidade às gravações. Todos os atos jurisdicionais por ele praticados o foram antes de formalizada a posse do ex-presidente no cargo de Ministro de Estado. E o fato de que terem sido captados áudios de autoridades ocupantes de cargos a que a Constituição atribui foro especial por prerrogativa de função (a própria presidente da república, ministros de estado) não retira a competência do juiz de primeiro instância, pois ele havia determinado a quebra de sigilo telefônico de pessoa que, à época, não ocupava qualquer função pública. A partir da publicação do ato de posse do ex-presidente no cargo de Ministro de Estado, quaisquer atos jurisdicionais competem exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal.
O conteúdo dos áudios que foram divulgados pode ter diversas consequências jurídicas. Pode configurar, em tese, crime de obstrução da justiça, pode motivar pedido de prisão preventiva; pode reforçar a tese, deduzida em ações populares já ajuizadas, de que o ato de nomeação do ex-presidente para o cargo de Ministro de Estado decorreu de desvio de finalidade, com o fim exclusivo de modificar competência jurisdicional; pode configurar ato de improbidade administrativa de todos agentes públicos em tese envolvidos. Enfim, dada a gravidade do quanto foi revelado, há diversas consequências penais, processuais penais e administrativas que podem ocorrer. Sem contar, naturalmente, com as graves consequências políticas que, desde ontem, já se materializam”.
Guilherme A. Portugal Braga
Advogado, mestre em Direito com Concentração em Direito Penal e Criminologia, doutorando em Teoria do Estado e Direito Constitucional, professor de Direito Penal e pesquisador da Escola Superior Dom Helder Câmara
“Se as provas sabidamente ilegais devem ser descartadas, não podendo estar em um processo penal (artigo 157, §3º, CPP), o que leva um juiz criminal a divulgar interceptações ilegais, mesmo informando ainda não haver qualquer conteúdo ilícito no que se gravara? Veja que o impacto da divulgação das conversas já foi suficiente para justificar agressões não só verbais, desde a última noite. Lamentavelmente, resta claro que há um risco semelhante ao que pairava na Alemanha dos anos 1930. ‘Será que ainda há juízes em Berlim?’ O estado policial já se acostumou, há séculos, a não se conter dentro dos limites da lei, pois inimigo não é cidadão. E assim se comporta com a justificativa de algo grave foi feito por quem tem seus direitos desconsiderados.
Com a postura das últimas horas, o juiz busca conduzir um processo midiático que produza fatos contundentes que possam justificar o que continua injustificável: golpe de estado, desrespeitando o resultado das urnas nas últimas eleições. Às favas foram mandadas todas as garantias individuais e os escrúpulos pessoais de quem atua desta maneira e revela comportamento incompatível com a função que desempenha. Com estratégia conhecida há mais de trezentos anos, órgãos de imprensa dominantes tentam, a todo custo, impedir o governo eleito. Percebe-se que a fogueira das vaidades vem recebendo gravetos que já chamuscaram o Estado de Direito. Podem incinerar a democracia. Será que ainda há juízes em Berlim? Ou será que a democracia cairá com um estrondoso aplauso?”.
Carlos Henrique Carvalho Amaral
Advogado e professor de Processo Penal e Mestre em Direito)
“Ao tornar públicas as gravações de telefonemas entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz federal divulgou material ilegal. Os grampos não poderiam ter perdido o sigilo, por dois motivos igualmente graves.
Inicialmente observando o artigo 102, inciso I, alínea b da Constituição Federal, como um dos participantes da conversa tem prerrogativa de foro por função, caberia à primeira instância mandar as provas para a corte indicada e não divulgá-la, como foi feito. Nesse caso o juiz deveria remeter a referida gravação ao Supremo Tribunal Federal e a este caberia então requisitar a instauração de um inquérito policial para apurar os fatos contidos na interceptação.
O outro motivo que faz questionar a ilegalidade das gravações foram os horários em que os eventos foram publicados no site da Justiça Federal do Paraná. Uma vez que às 11h13 de quarta-feira (16), o juiz Sérgio Moro teria despachado que já haviam sido feitas “diligências ostensivas de busca e apreensão”, “não vislumbro mais razão para a continuidade da interceptação”. Por isso, ele determinou a interrupção das gravações.
Ressalta-se que informou tanto à Policia Federal, Ministério Público Federal quanto às operadoras telefônicas sobre a suspensão das gravações. Todos sabem que a suposta conversa entre Lula e Dilma se deu às 13h32, portanto, a legalidade é questionada.
Vale ressaltar ainda que a Lei 9.296/1996, conhecida como a Lei das Interceptações, em seu artigo 8º, é clara em dizer que os grampos telefônicos e suas respectivas transcrições são sigilosos. Inclusive o artigo 10 diz que “constitui crime”, com pena de dois a quatro anos de prisão, quebrar segredo da Justiça.
Normalmente, em casos onde há escutas telefônicas, são realizadas perícias técnicas na degravação e ainda para a comprovação dos áudios e vozes dos interlocutores.
Nesse momento em que há um cenário de forte acirramento de ânimos, é necessário bom senso, prevalecendo a serenidade sobre as paixões ideológicas e políticas. O Poder Judiciário deve agir estritamente de acordo com as leis, observando os procedimentos previstos no Código de Processo Penal, bem como na Constituição Federal”.
Francine Figueiredo Nogueira
Professora de Processo Civil e Processo Constitucional da Escola Superior Dom Helder Câmara e mestre em Direito Constitucional
“A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XII, dispõe que ‘é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal’.
Como se trata de uma norma fundamental que nos remete à legislação infraconstitucional para lhe dar eficácia e aplicabilidade, a Lei 9.296/96 regulamenta o inciso XII, parte final do dispositivo constitucional. Assim, logo no artigo 1º, a referida lei dispõe que ‘a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça’.
A lei é claríssima quanto ao sigilo das gravações e das transcrições, como se vê em seu artigo 8°: ‘A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas’, prevendo inclusive crime a divulgação das gravações com objetivos não autorizados em lei ( Artigo 10: Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei).
Além das disposições constitucionais e legais sobre o sigilo das interceptações das comunicações telefônicas, o Conselho Nacional de Justiça editou as Resoluções 59/08 e 217/16 tornando obrigatória aos juízes a determinação de investigação, dirigida aos órgãos competentes, sempre que houver vazamento seletivo e ilegal de dados e informações sigilosas constantes de procedimentos investigatórios. O artigo 17 da Resolução 59/08, alterado pela Resolução 217/16, não permite ao magistrado fornecer quaisquer informações, direta ou indiretamente, a terceiros ou a órgão de comunicação social, de elementos sigilosos contidos em processos ou inquéritos que tramitem em segredo de justiça.
Sobre o envio dos processos ao Supremo Tribunal Federal, a Constituição Federal, no artigo 102, I, alíneas b e c, estabelece a competência do STF precipuamente, guardar a Constituição, cabendo-lhe: para processar nas infrações penais comuns, o presidente da República, o vice-presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios ministros e o procurador-geral da República e nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado. Assim, o ministro recebe a prerrogativa constitucional de foro, conhecida por foro privilegiado.
A análise da conjuntura é difícil e deve ser feita de modo a respeitar as normas fundamentais previstas na Constituição Federal”.
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Redação Dom Total/AFP
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