quarta-feira, 2 de março de 2016

Oscar 2016: cinema e compromisso

A 88ª edição viu protagonistas ilustres finalmente conseguirem a vitória e lançou as diretrizes políticas para a próxima temporada cinematrográfica
Premio-Oscar
Leonardo DiCaprio e Ennio Morricone. Estes são os principais nomes,  que giraram em torno das crônicas da 88ª edição do Oscar. A cerimônia ocorrida na noite de 28 de fevereiro presenciou, de fato, a vitória do ator americano e do compositor italiano, respectivamente pelo melhor ator protagonista e a melhor Trilha Sonora Original, e o mundo (Itália em particular, no caso de Morricone) não poderia deixar de falar sobre isso.
Em uma cerimônia estranhamente pouco espetacular, o que mais impressiona são as mensagens, políticas e polêmicas, que Hollywood quis dar. A polêmica estava, de fato, na base do Oscar 2016 devido à ausência de minorias étnicas entre as indicações. A Accademy, organização que confere os prêmios cobiçados, foi, assim, acusada de ter um tom muito “branco”.
E se desta controvérsia nascia a noite de Oscar, com a mesma começou: o ator comediante negro, Chris Rock, que já com a sua jaqueta branca parecia adivinhar o tom da sua conduta da cerimônia, não poupou piadas que se moviam entre a denúncia ao racismo e a denúncia ao politicamente correto. Assim, se em seu monólogo de abertura a primeira frase foi “Eu encontrei pelo menos quinze negros só subindo aqui no palco”.
Continuou depois dizendo: “Por que protestamos? Por que esta polêmica agora? Estamos na 88ª edição, portanto, pela 88ª vez estamos aqui e provavelmente, pelo menos, outras setenta e uma vezes não houve indicações para os negros. Também nos anos ’50 e ’60 aconteceu, mas os negros não protestavam pelos Oscar porque tinham verdadeiros motivos para descer às praças e protestar naquela época. Nós, negros, éramos linchados, violentados e não nos preocupávamos de saber se o prêmio para a melhor fotografia era dado a um negro. […] No entanto, neste ano, as coisas serão diferentes aqui no Oscar: no pacote In Memoriam só encontraremos negros que foram mortos pelos policiais precisamente enquanto iam para o cinema”. Uma comédia irreverente que talvez nem todos gostaram, mas que certamente demonstra como as minorias (mesmo que é absurdo falar de minoria para os afro-americanos) são os únicos que sabem rir de si mesmos.
A Academia, por sua vez, deu a sua resposta indireta à controvérsia: premiando Iñárritu como melhor diretor para The Revenant, entregando pelo terceiro ano consecutivo o prêmio mais cobiçado para um diretor mexicano. Polêmicas e mensagens não se limitam aqui, mas parecem configurar uma nova escala hierárquica de valores sobre os quais refundar a sociedade americana. Encabeçando esta escala está a luta contra a pedofilia, pelo menos aquela na Igreja, como testemunham os prêmios para o melhor filme e o melhor roteiro original dado ao caso Spotlight.
O próprio Cardeal Sean O’Malley reconhece a importância de ter premiado este filme. “Ao fornecer relatórios detalhados sobre a história da crise dos abusos sexuais do clero, os meios de comunicação levam a Igreja a reconhecer os crimes e os pecados do próprio pessoa e começar, assim, a enfrentar as próprias fraquezas, o dano causado às vítimas e às suas famílias e as exigências dos sobreviventes”, disse o prelado.
Junto com a pedofilia está a condenação aos crimes contra os menores e o estupro, simbolizado pela vitória da Brie Larson como melhor atriz protagonista para Room e pela interpretação de Lady Gaga da sua canção ‘Til it Happens To you’. Durante a performance a cantora foi acompanhada no palco por mulheres que sofreram violências sexuais, e que depois cada uma recebeu um abraço da própria Larson.
Espaço também para a diplomacia internacional com Ponte dos Espiões, o extraordinário filme de Spielberg que, inicialmente, parecia estar fora dos prémios, recebeu o reconhecimento de melhor ator coadjuvante dado a Mark Rylance, intérprete incrível da espiã russa Rudolf Abel. É um sinal de amizade com a Rússia e as relações com Putin?
Por último, uma reflexão sobre o próprio cinema: os seis prêmios “técnicos” dados a Mad Max: Fury Road (melhor montagem, melhor montagem sonora, melhor cenografia, melhor figurino, melhor maquiagem e penteado) representam um importante passo adiante no critério de juízo americano e, ao mesmo tempo, talvez, uma implícita admissão de culpa. Se, de fato, os Oscar se demonstram mais uma vez incapazes de dar prêmios importantes, como de direção, a fimes revolucionários e não-canônicos, como George Miller, permanece o fato de que Mad Max é o filme mais premiado desta edição.
Não faltaram, também, os discursos dos vários vencedores, e se Leonardo Di Caprio centrou-se sobre a questão ambiental, o cantor Sam Smith, vencedor do Oscar de melhor canção para Spectre decidiu dedicar a vitória “para toda a comunidade LGBT no mundo”.
Se o ano anterior a promulgação de certos valores foi dada exclusivamente aos indivíduos protagonistas, neste ano a própria Accademy fez-se porta-voz das batalhas sociais de maior impacto. O resultado é a promoção não tanto de um cinema mais próximo da realidade, mas de um cinema politicamente engajado, que continua a fazer da narração o seu pivô central. Os Oscares não são, de fato, simplesmente os prêmios cinematográficos mais prestigiados no mundo, mas representam, especialmente, um fundamental índice de tendências e modas, capaz de orientar gostos do público e produções dos filmes.
Agora sim, celebramos por Di Caprio, que finalmente ganhou a estatueta e por Morricone, que recebeu o único reconhecimento que lhe faltava, mas meditamos, especialmente, sobre as escolhas políticas da Accademy e esperamos uma nova onda de filmes socialmente engajados, porque é isso que o Oscar 2016 decretou. Zenit

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