terça-feira, 19 de abril de 2016

Religião e cultura: olhar pelas Ciências da Religião

As crenças assumem “sentido” quando organizadas em sistemas que orientam um grupo.
A religião faz parte do circuito de crenças e convicções pessoais e coletivas.
A religião faz parte do circuito de crenças e convicções pessoais e coletivas.
Por Flávio Senra*
O conjunto dos modos de viver e pensar cultivados está na base do que desde muito chamamos cultura. O passo à civilização, um passo do animal humano à sua maturidade, tem uma longa história. Remonta ao processo pelo qual o ser humano foi se tornando um ser razoável, racional convencendo-se dos benefícios das transformações que se iam operando, por obra de seu processo de aprender a ser humano.
A cultura é obra da liberdade humana e da vontade de fazer-se humano, a vontade de ser outro e de ser para além de seus limites. A cultura é um processo de liberação do limite, um abrir-se e um abrir novos horizontes. Não se chega à cultura sem percorrer um largo caminho. Sempre estamos nesse processo, porque sempre seremos um capítulo dessa larga história de construção do humano. Somos sempre um capítulo anterior ao que há de vir.
A cultura corresponde ao que se cultiva, no sentido daquilo que o ser humano faz de si e do mundo em que vive, em abertura permanente. A busca por conhecimento de si e do mundo é tanto uma tarefa individual quanto coletiva. Trata-se de uma tarefa política, pois ela se dá no mundo e a partir do mundo.
A cultura é fruto de um esforço. Naturalmente, não somos o que somos, como os animais. Somos o que fazemos de nós mesmos, somos culturalmente. O ser humano é um ser de cultura. Assim sendo, tudo o que comporta este ser e fazer do animal humano é parte da cultura, ou seja, a cultura é o conjunto dos processos a partir dos quais o humano se constrói a si mesmo no mundo.
A religião faz parte do circuito de crenças e convicções pessoais e coletivas. Como todo elemento da cultura, tais crenças, entre outras, fazem parte de um caminho pelo qual se chega coletivamente. As crenças assumem “sentido” quando organizadas em sistemas que orientam coletivamente um grupo. Estes sistemas conformam o ethos, definindo, portanto, o caráter e o modo de vida, o agir e o conceber o mundo.
As Ciências da Religião se dedicam a pesquisar esse conjunto de crenças, aquelas identificadas como religiosas, suas origens, sua história, seus desdobramentos, as suas formas de organização, seus símbolos, seus ritos e linguagens. Esses sistemas de crenças que conformam as religiões, as sabedorias de vida, as espiritualidades e afins são feitos humanos. Como tais, são objeto de consideração dessas ciências. São fenômenos ou fatos culturais, porque resultam da fabricação humana.
Aos cientistas da religião cabem a análise das crenças religiosas e suas instituições a partir da contribuição de teorias e métodos científicos, em colaboração com disciplinas auxiliares à sua tarefa como podem ser a colaboração da sociologia, da antropologia, da história ou da psicologia da religião. Esse campo de contribuições tem crescido e se ampliado a outras ciências e saberes.
As Ciências da Religião colaboram com o avanço do processo humano de ultrapassar os seus limites, que, ao fazer-se e organizar-se culturalmente, conta com um novo campo de saber para compreender uma de suas manifestações mais complexas, como podem ser as crenças e as organizações religiosas.
*Prof. Dr. Flávio Senra, do Programa de Pós-graduação em Ciências da Religião da PUC Minas (www.pucminas.br/ppgcr).

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