Não temos controle da vida, mas ainda assim essa tentação chega aos nossos corações.
A mudança é própria da vida .
Por Fabrício Veliq*
Qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso de sua vida?
Essa pergunta de Jesus se encontra no sermão do monte. Esse sermão, conhecido por muitos, é considerado por diversas pessoas como uma síntese de todo evangelho pregado por Jesus. Embora, teologicamente, seja difícil afirmar isso, não podemos desconsiderar esse texto tão interessante de se ler e que traz questões muito profundas para um viver cristão autêntico ainda em nossos dias.
Ao colocar a pergunta aos seus ouvintes, Jesus toca um dos pontos mais fulcrais de nossa existência e, como bom subversivo, coloca em xeque a ideia de que podemos ter controle sobre a vida, sobre as intempéries e bênçãos que encontramos em nosso percurso.
A pergunta é retórica. Os ouvintes sabiam e nós também sabemos que não é possível fazer nada para prolongar a vida se se está na hora da morte. Mesmo assim, (como naquele tempo, mas hoje com novas formas de fazer, bem como com um discurso bem mais elaborado a respeito do controle da morte) ainda em tempos hodiernos, temos a ideia de que nossa vida está em nosso controle. Com isso em mente tentamos freneticamente planejar a vida, encaixar cada coisa em seu devido lugar, definir os tempos para o estudo, os filhos, a mudança de emprego, e tantas outras coisas de nosso dia a dia.
Não digo com isso que esses planejamentos não devem ser feitos e que devemos viver numa total entrega ao destino, em uma ideia simplista de que "o que será, será" ou "está escrito nas estrelas”. Viver pensando assim pode ser uma forma de lidar irresponsavelmente com relação à vida.
A fala de Jesus nos dirige ao cuidado do Pai para conosco, algo que Pedro, talvez depois de muito tempo, entendeu isso ao dizer: "lançai sobre Ele vossas ansiedades, pois Ele tem cuidado de vós" (1Pe 5:7).
Já sabemos que não temos poder e controle sobre a vida, mas ainda assim essa tentação chega aos nossos corações nos fazendo pensar que adicionaremos um dia a mais em nossa existência, uma hora a mais em nossos dias ou um momento a mais em nossas vidas.
Jesus, visando mostrar um caminho diferente, ao longo de sua explanação, fala da beleza dos lírios, dos pássaros que não juntam alimentos, enfim, da brevidade e simplicidade da vida. Não podemos negar que essa fala nos choca a nós que vivemos em um mundo dominado por um sistema capitalista que prega a ostentação de posses e nos mede pelo que temos em nossas contas bancárias. Nesse sistema cria-se a ilusão de que a multidão de bens e recursos pode trazer segurança e livramento frente às intempéries da vida.
Jesus mostra o contrário em seu sermão. Nossa segurança não está nas coisas que alcançamos e nossos bens também não acrescentará nenhum momento a mais em nossa estadia nesse mundo.
Ao mesmo tempo, penso que a pergunta de Jesus nos remete à questão de aprendermos a lidar com o fato de que a vida tem seus percalços, de que aquilo que planejamos pode não dar certo, que a mudança é própria da vida e que a cada mudança há um novo começo que precisamos aprender a lidar.
Ao mostrar os lírios que se vestem esplendorosamente, morrendo em poucos dias, não estaria nos convidando a viver a beleza da vida em sua intensidade nesse sopro que ela é para nós, aproveitando e desfrutando de cada momento e de cada novidade que nos advém?
A ansiedade quanto às coisas que nos sobrevirão e como faremos quando essas vierem, não seria a tentativa frenética de termos poder e controle sobre a vida que nos é dada?
Compreender que não temos esse controle pode ser uma das tarefas mais difíceis em nossa existência e, talvez, a que pode nos trazer maior liberdade uma vez aprendida.
*Fabrício Veliq é teólogo, formado em matemática pela UFMG, graduando em filosofia pela UFMG, mestre em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e doutorando em teologia na mesma faculdade. Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí.
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