domtotal.com
Penso ser um grande erro acharmos que o relacionamento com Deus começa da noite para o dia.
Penso ser um grande erro acharmos que o relacionamento com Deus começa da noite para o dia. |
Por Fabrício Veliq*
Nesses dias tenho pensado sobre questões de relacionamentos.
Conversava com uma grande amiga nesses dias e falávamos sobre os diversos distanciamentos que colocamos em nossas relações diárias, seja com os amigos, com os familiares, com nossos parceiros ou parceiras e com Deus.
Seria isso consequência do modo como vivemos nossas vidas hoje, nessa dinâmica desenfreada da ação a qualquer custo? Não é difícil percebermos que vivemos em um mundo que corre.
Cada vez mais estamos sem tempo, mesmo com tantos equipamentos e acessórios para diminuir nosso gasto com ele. Como exemplo, posso citar os módulos bancários para smartphones. Através desses aplicativos pagamos, compramos, consultamos saldos, fazemos transferências e várias outras atividades bancárias, o que, em tese, faz com que tenhamos mais tempo, visto não precisarmos ir ao banco para fazer o que podemos fazer pelo celular. Contudo, mesmo com todos esses dispositivos online, hightech, ultra power blaster, nos encontramos sem tempo para as atividades que, aos olhos de muitos sejam "gastar tempo". Afinal, se há o whatsapp, o messenger do facebook, o hangout do gmail, para que preciso marcar com alguém pessoalmente? Posso mandar uma mensagem virtual e lá estou, presente, com meu amigo, meu familiar, minha igreja, etc.
Gostaria de chamar a atenção para a questão dos relacionamentos na perspectiva do tempo e acredito que isso também pode ser aplicado na nossa relação com Deus, que claro, passa pela nossa relação com o outro.
Para mim, e acredito que para tantos outros, é muito comum ouvir alguém reclamando que está longe dos amigos e longe de Deus. No entanto, percebo que, na maioria das vezes, não nos atentamos que nossa relação com Deus é estabelecida da mesma forma que estabelecemos nossa relação com o próximo.
Penso ser um grande erro acharmos que o relacionamento com Deus começa da noite para o dia, como se, em um momento me sentisse completamente afastado de Deus, e a seguir faço uma oração super sincera, e "boom", estou extremamente íntimo com Deus novamente, e agora sou seu melhor amigo. Os relatos bíblicos mostram que não costuma ser assim.
Se pegarmos vários desses relatos a respeito de criação de intimidade com Deus, percebemos que não aconteceram amizades instantâneas. Como exemplo, cito Abraão que demorou muito tempo para ser chamado amigo de Deus e os apóstolos, que foram chamados de amigos depois de 3 anos de intensa convivência com Jesus, dentre vários outros que poderíamos citar como Davi, Elias e Enoque que nos mostram que a intimidade com Deus não costuma vir da noite para o dia.
Gosto de pensar nessa questão de refazer a intimidade com Deus da mesma forma que penso em refazer uma amizade perdida há algum tempo, seja pela distância, seja pelo esquecimento, seja pelo que for.
No início do retorno nunca temos conversas muito demoradas, geralmente são conversas meio sem graça, com pouco assunto, etc. Podemos acabar por aí e pensar: "é, não somos mais amigos e acho que não vale a pena tentar", ou pensar "hum, bom começo. Há abertura para aprofundar um pouco mais". Escolhendo qualquer uma das duas opções, há sempre a possibilidade do erro de acharmos que voltaremos a ser íntimos nas primeiras tentativas de diálogo.
Para refazer a amizade são necessárias, em grande parte delas, ligações, sair junto, se abrir para o outro, estar disposto a ouvir, e tantas outras virtudes que todo relacionamento requer. Para isso, penso que duas coisas são imprescindíveis: tanto a disposição de se refazer essa amizade, quanto o dedicar tempo para refazer essa amizade.
Impossível intimidade sem gastar tempo com alguém.
Acredito que com Deus seja a mesma coisa. Se quisermos ser íntimo Dele, é necessário dispensarmos tempo com Ele e ter consciência que belas amizades e belos relacionamentos se constroem com o tempo e a disposição em se entregar a esse relacionamento.
Nesse sentido, algo que me chama atenção é o relato da criação em Gênesis 1. Nesse relato, Deus cria o mundo em 6 dias e descansa no sétimo. Deus poderia criar tudo de uma vez só, contudo cria dia a dia. Nos primeiros dias cria as coisas mais simples, das quais dependerá todo o resto da criação para, no último dia, terminá-la.
Não seria esse relato um belo exemplo da construção e restauração de relacionamentos? Da mesma forma que a criação é feita dia a dia, os relacionamentos também devem ser criados lentamente, dia a dia, sem pressa de terminar, somente fazendo o melhor para, no final da construção, poder dizer que era tudo muito bom.
Penso que com essa perspectiva, buscar a Deus e buscar ao próximo se torna um projeto de vida. Sempre estou mais perto e, quanto mais perto chego, percebo o quão distante ainda estou.
* Fabrício Veliq é teólogo, formado em matemática pela UFMG, graduando em filosofia pela UFMG, mestre em teologia pela Faculdade Jesuíta de Belo Horizonte (FAJE) e doutorando em teologia na mesma faculdade. Atualmente ministra cursos de teologia no curso de Teologia para Leigos do Colégio Santo Antônio, ligado à ordem Franciscana. É protestante e ama falar sobre teologia em suas diversas conversas por aí.
Nenhum comentário:
Postar um comentário