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A partir de hoje, Igreja nos convida a acompanhar Jesus em sua caminhada até Jerusalém.
A reflexão é referente às leituras do 13º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C.
Por Marcel Domergue*
Referências bíblicas
1ª leitura: "Eliseu levantou-se, seguiu Elias e pôs-se ao seu serviço" (1Reis 19,16.19-21)
Salmo: Sl 15(16) - R/ Ó Senhor, sois minha herança para sempre!
2ª leitura: "Irmãos, fostes chamados para a liberdade" (Gálatas 5,1.13-18)
Evangelho: "Jesus tomou a firme decisão de partir para Jerusalém; «Eu te seguirei para onde quer que fores»" (Lucas 9,51-62)
A caminho para um “outro lugar”
Jesus tomou a firme decisão de partir para Jerusalém. Sabe o que está à sua espera naquela cidade. Acredita-se facilmente que tenha ido até lá com toda a tranquilidade. Foi sem dúvida o que escolheu e assumiu, mas o relato da sua «agonia» em Getsêmani, entre outros textos, nos mostra que teve muito medo deste lamentável e doloroso final.
Sabe que irá ressuscitar, mas para uma vida totalmente diferente, num «outro lugar». Está de fato numa situação análoga à nossa. É a última vez que percorre este caminho até Jerusalém. A estrada para a vida exige a morte de todo o passado: e esta é uma necessidade que está presente em toda a Bíblia.
A começar de Gênesis 2,24, onde lemos que o homem deverá deixar seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher. Da mesma forma, o mundo começará de novo com Noé, depois que o dilúvio engoliu a antiga criação. Cenário análogo se dará com respeito à torre de Babel. E, mais tarde, Abraão terá de deixar o seu país e a sua família, a fim de tomar a estrada rumo a um futuro desconhecido. Na Bíblia, sempre tudo está em movimento.
A vida está sempre num outro lugar, mais distante. Na primeira leitura, vemos Eliseu queimar tudo o que fez parte do seu passado, para partir e seguir Elias, rumo ao desconhecido. Parte-se sempre, de fato, cada vez a fim de «seguir»: a mulher; o que anuncia a «Promessa» (Abraão); uma ordem de Deus...
Quanto a nós, temos de nos renovar continuamente, a fim de seguirmos o Cristo. Não chegamos ainda ao fim das nossas mudanças! Devemos, contudo, observar que o Evangelho não nos apresenta isto como obrigação: somos sim convidados, somos chamados a seguir o Cristo.
O caminho da liberdade
Jesus não força ninguém. Se os Samaritanos se recusam a recebê-lo, vai para outro lugar. As suas cidades não serão «punidas»; não virá o fogo do céu para destruí-las. O que fazem os homens constrangidos e forçados não conta, pois só podemos nos tornar nós mesmos fazendo-nos imagem e semelhança de Deus, que é soberanamente livre. Abandonar tudo o que foi nosso passado é também uma libertação.
Nesta perspectiva é que é preciso ouvir as palavras de Jesus aos três homens que dizem querer segui-lo. Não fiquemos chocados pelo que Jesus responde ao homem que deseja segui-lo, mas só depois de enterrar o pai: “Deixa que os mortos enterrem os seus mortos...”. Estamos aí na linguagem das parábolas. O passado é que está morto! A nossa própria morte é o fim do nosso passado; é então que o abandonamos realmente, junto com este corpo recebido de nosso pai e de nossa mãe e que agora nos escapa.
Podemos ler nesta perspectiva, de evasão do passado, o que Paulo diz aos Gálatas na segunda leitura: as pessoas têm dificuldade para mudar de regime, para passarem do culto à Lei, ou seja, da confiança depositada naquilo que fazem, à confiança depositada num Outro.
Esta libertação de si mesmo é a condição de uma verdadeira liberdade. É, de qualquer forma, um renascimento permanente: a cada instante é que temos de nos deixar animar pela novidade do Sopro de Deus, o Espírito (cf. João 3). Em nosso próprio corpo, temos um sinal: cada respiração vem substituir a que lhe precede. Por isso quem quer seguir Jesus deve deixar o seu passado para trás.
O caminho da vida
O que Jesus faz para nós é único, e não podemos reproduzi-lo de modo algum. Em especial, porque ele é o únicoJusto. Não podemos, no entanto, receber a vida que ele nos dá, se não o seguimos para onde ele vai. Só podemos receber o que aceitamos dar. Dar a própria vida não tem forçosamente o caráter trágico de ser levado à morte. Aliás, na Cruz, Jesus só fez recapitular e ir até o fim do que ele viveu desde o nascimento.
Lembremos Filipenses 2,5-11: de condição divina, «não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas se despojou». Como? «Tomando a forma de escravos, tornando-se semelhante aos homens». João, em seu prólogo, irá mais longe: omitirá a palavra «semelhante» e escreverá que «ele se fez homem» ou «tornou-se homem», evitando qualquer mal entendido sobre a realidade da sua humanidade.
Por isso todo homem pode se reconhecer nele: Ele é «o Filho do homem». Este «rebaixamento» irá até à Cruz. Nela é que somos definitiva e totalmente reunidos, desposados. De nossa parte, nos cabe pronunciar o sim nupcial, para nos tornarmos carne da sua carne, ossos dos seus ossos.
Só podemos chegar até aí através da fé no triunfo da vida, de uma vida que não economiza a morte, mas a supera. E Isto é o mesmo que crer na onipotência do amor encarnado no Cristo. O Cristo nos reuniu, portanto, por mais longe da vida possamos ter ido. Cabe a nós, então, segui-lo, no único caminho que, paradoxalmente, nos conduz à vida. Não precisamos ter medo: não se trata de esforços sobre-humanos, mas de acolher o seu Espírito que, incessantemente, nos indica o caminho a seguir.
Sítio Croire, 24-06-2016.
*Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês.
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