sexta-feira, 22 de julho de 2016

Não é bom para você, meu filho

 domtotal.com
Um banco só existe quando faz empréstimos.
Minha experiência como vítima indefesa dos bancos é igual a de milhões de habitantes no planeta.
Minha experiência como vítima indefesa dos bancos é igual a de milhões de habitantes no planeta.

Por Max Velati*

Na semana passada escrevi aqui o resultado do meu passeio pela minha biblioteca perguntando aos mestres mortos o que há de errado com o nosso tempo. O oráculo que mora nas minhas estantes falou da temperança, da moderação e da prudência e da falta que tudo isso faz nestes tempos loucos. Continuo fazendo as mesmas perguntas e obtendo mais respostas, mas desta vez o oráculo foi mais preciso. O que ouvi faz todo o sentido, pois o oráculo disse que o que há de errado hoje com o mundo são as instituições financeiras que chamamos de bancos.

Minha experiência como vítima indefesa dos bancos é igual a de milhões e milhões de habitantes no planeta, acuados – de um jeito ou de outro - com dívidas diárias, semanais, mensais e anuais. A experiência do meu pai foi mais intensa e perdeu tudo para os bancos, cinquenta e tantos anos de trabalho, o esforço de uma vida inteira transferidos para os cofres de uma empresa rica pela poderosa feitiçaria do sistema financeiro.

Se a Economia controla as nossas vidas e os bancos controlam a Economia, logo os bancos controlam as nossas vidas. É uma lógica irrefutável. Geração de empregos, progresso, fomentos, subsídios, incentivos são apenas migalhas que caem da mesa. Todos os produtos oferecidos por um banco se resumem por fim a um só: crédito. Os bancos oferecem serviço sob a forma de crédito e cobram valores exorbitantes por isso. No Brasil, estes lucros têm feições obscenas, repugnantes.

O dinheiro, tal como o conhecemos, é uma invenção do Banco da Inglaterra segundo a Lei de Tonelagem de 1694. Pouco depois, um economista escocês chamado John Law convenceu o rei da França de que o papel-moeda não precisava ter uma relação direta com o ouro correspondente estocado como reserva. O papel continuaria a valer não importando a quantidade que fosse impressa, desde que o povo acreditasse que seria possível trocar o papel por ouro a qualquer momento. O crédito se descola então do mundo real e se torna uma crença, tão fundamentada na realidade quanto unicórnios e pés de feijão de altura estratosférica.

Os bancos são templos de crédito e negociam segundo um sistema de valores que perdeu a sua relação com o mundo físico. O dinheiro que um banco oferece é uma abstração sustentada pela nossa fé. Com isso, toda a atividade bancária é uma abstração, uma hipnose coletiva, um truque maroto de um mágico desonesto que transforma num estalar de dedos a sua cédula amarela de vinte em uma nota azul de dois reais. E assim põe dezoito no bolso.

Um banco só existe quando faz empréstimos. Sem poder oferecer o único serviço que existe nas suas prateleiras, um banco é apenas um prédio com salas amplas e ar condicionado. Ele existe porque concede empréstimos às pessoas certas, aquelas que devolverão o dinheiro acrescido de lucros exorbitantes. Se houver uma crise em algum setor produtivo, o banco vai poder oferecer mais créditos e vai lucrar ainda mais. Até aqui tudo parece um evento natural no desumano mundo dos negócios, mas tudo muda de figura quando no século XX os bancos se apaixonam pelas crises e pelo caos. Por que esperar o problema surgir se podemos cria-lo? Por que aguardar uma crise num setor qualquer, num estado ou mesmo na economia de um país, se podemos provocar estas crises e lucrar obscenamente com isso?

A falência de um banco não existe, porque um banco falido se transforma logo em alimento para fortalecer ainda mais toda essa abstração. E foi assim que os bancos sequestraram os setores produtivos e se tornaram os donos do mundo. O serviço abstrato de conceder um crédito imaginário se tornou mais importante do que fabricar sapatos, produzir comida, construir escolas, hospitais ou casas. A invenção do século XVII destilada na imaginação evoluiu para se tornar um poder real, concreto e onipresente.

“O que há de errado com o nosso tempo?” perguntei às minhas estantes. “Os bancos” responderam. E do lugar onde meu pai está ele também mandou uma mensagem. Na verdade, sussurrou uma frase que ouvi muitas vezes e sempre dita com a expressão amarga de quem sabe por experiência própria o que está dizendo: “se é bom para o banco não é bom para você, meu filho”.

*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.

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