sexta-feira, 26 de agosto de 2016

A cultura entre jogos e jorros

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Finda a festa, volta dura ao ramerrame cotidiano da pátria nem tão gentil assim.
Remar contra maré é a nossa especialidade, isso sabemos, fizemos e faremos, agarrados à fé.
Remar contra maré é a nossa especialidade, isso sabemos, fizemos e faremos, agarrados à fé.

Por Eleonora Santa Rosa*
Temporada melancólica se delineia no céu vindouro, após o triunfo do alto astral proporcionado pela surpreendente e sensível abertura dos jogos olímpicos, elixir para espantar a baixa estima e o baixo astral reinantes, mostrando, ao mundo, com quantos paus se constrói a história cultural de uma nação, cuja arte desponta e aponta as qualidades e a consistência de uma jovem civilização tropical, com suas contradições, ousadias e impasses.

Fechamento dos jogos em jorro de transmutação de energia, por meio da força acachapante de imagens e sons, ressoando as origens indígenas e negras da terra brasilis, o potente legado da arte popular, a obra dos mestres de corda e cordel, de barro e rendas, a herança vitalícia de Vitalino, a dança fraturada do Corpo do Brasil, tudo ao som de acordes dissonantes de dolorosa beleza, ecoando a resistência nordestina que teima dar vida e alimento ao espírito, na árida paisagem territorial.

O epílogo desse histórico capítulo de ‘superação’ do “complexo de vira-lata” – em que a gana e o jeitinho, para o bem ou para o mal, se fizeram presentes do começo ao fim –, veio no veio da barroca festa carnavalesca, que deixou a todos em delírio, num transe uníssono, de alma lavada.

Ali reverberava a exuberância da cultura de um país politicamente em frangalhos, mas simbolicamente unido e esperançoso.

Findos os jogos, finda a festa, volta dura ao ramerrame cotidiano da pátria nem tão gentil assim, que despende doses maciças da energia adquirida pelas baterias de prazer e alegria das últimas semanas a cada noticiário avinagrado do dia a dia.

Difícil arte a nossa de renovar esperanças, de crer em mudanças, de sobreviver ao entupimento diário dos canais de crença na transformação.

‘País do futuro’, somos confrontados também com um passado repleto de nódoas, de esquecimentos perversos, de omissões inomináveis, trazido a um presente que queremos que passe, que apresse o passo, mas que não passa e adverte que, por ora, é o agora e com ele teremos de lidar.

Olímpica missão sem devaneios, hemos de sobreviver aos escombros por toda parte, enfrentando gente de toda sorte e riscos de parte a parte.

Remar contra maré é a nossa especialidade, isso sabemos, fizemos e faremos, agarrados à fé que não falha, na arte e na cultura, nosso bote salva vidas para as temporadas de melancolia.

*Eleonora Santa Rosa – Jornalista, editora e empreendedora cultural, é considerada uma das maiores especialistas no País na área de Projetos, Planejamento, Captação de Recursos, e Gestão Cultural, com larga experiência na formatação, negociação e implementação de iniciativas culturais de envergadura e repercussão. Ocupou vários cargos públicos ao longo de sua trajetória profissional, tendo sido Secretária de Cultura do Estado de Minas Gerais. É fundadora e diretora do Santa Rosa Bureau Cultural, onde desenvolve ações referenciais nacionais no campo da cultura.

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