terça-feira, 16 de agosto de 2016

Análise crítica do estupro de vulnerável

 domtotal.com
O crime em questão se configura independentemente do consentimento da vítima.
Há presunção absoluta de vulnerabilidade da vítima.
Há presunção absoluta de vulnerabilidade da vítima.

Por Marta Xavier de Lima Gouvêa*
Com a introdução junto ao ordenamento jurídico do tipo penal previsto no artigo 217-A, em que se passou a constituir crime contra a dignidade sexual praticar conjunção carnal com menor de 14 anos de idade ou com pessoa portadora de enfermidade ou doença mental, sem discernimento ou condição de oferecer resistência, configurou-se crime de estupro de vulnerável independentemente de consentimento da vítima, surgindo, assim, a figura da presunção absoluta de vulnerabilidade da vítima.

Sabemos que a liberdade sexual de pessoa capaz de consentir é um bem jurídico disponível, mas somente as pessoas com capacidade física e psíquica plena são capazes de consentir. Neste caso, somente a vítima de posse das referidas capacidades pode aceitar ou recusar o ato sexual pretendido pelo parceiro. Quando da tipificação do estupro de vulnerável o legislador pretendeu proteger as pessoas que não possuem essa plena capacidade de resistência, criou-se, então, a figura da presunção da vulnerabildade para aquelas pessoas que se enquandram no caput e § 1º do artigo 217-A do Código Penal, são essas pessoas consideradas vulneráveis as únicas passíveis de figurarem como vítimas desse delito autônomo. O ordenamento jurídico prevê:

Estupro de vulnerável

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:

Pena: reclusão de 08 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa não pode oferecer resistência.

Com base na leitura dos dispositivos supracitados, sempre que o agente mantiver, independentemente de violência ou não, a conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso e a vítima for menor de 14 (catorze) anos ou não puder oferecer resistência em razão de incapacidade física ou mental, ele responderá por estupro de vulnerável com o agravante de ser considerado crime hediondo.

Importante destacar o significado de conjunção carnal e ato libidinoso. Vejamos: a conjunção carnal, prevista na primeira parte do tipo penal, se efetiva com a introdução parcial ou total do pênis em ereção na vagina, haja ou não ejaculação. Pode-se afirmar que a conjunção carnal praticada contra a pessoa menor de 14 (catorze) anos ou portadora de deficiência mental ou incapaz de oferecer reistência não importando a idade é o momento consumativo desse crime, na primeira parte do tipo penal o sujeito passivo somente poderá ser a mulher.

Com relação à segunda figura do delito, ou seja, prática de outro ato libidinoso diverso da conjunção, temos os atos impudicos, dissolutos, a exemplo sodomia ou coito anal, as topoinversões, a felação, a cunilíngua, a heteromasturbação e outros tantos.

Para que seja o fato considerado crime de estupro de vulnerável, é necessário que a vítima se enquadre na figura típica descrita no artigo 217-A ou parágrafo primeiro do Código Penal. Se a vítima for pessoa maior de 14 (catorze) anos e menor de 18 (dezoito ) anos seu consetimento será válido se este estiver em gozo de suas capacidades físicas ou psíquicas, ou seja, se esta puder oferecer resistência ou não for deficiente mental. No caso de a vítima tiver entre 14 (catorze) e 18 (dezoito) anos e tenha sido constrangida a praticar conjunção carnal ou ato libidinoso o agente responderá pelo delito previsto no artigo 213, § 1º, in fine do Código Penal, ou seja:

Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:

Pena: reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos

§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:

Pena: reclusão de 8 (oito) a 12 ( doze ) anos.

Portanto, vítima entre 14 (catorze) e 18 (dezoito) anos não deficiente mental ou capaz de oferecer resistência consentir com o ato sexual estaremos diante de uma figura atípica, ou seja, não constitui o crime tipificado nos artigos 213 ou 217-A. parágrafo primeiro do Código Penal.

É importante frisar que para que a pessoa seja enquadrada como vulnerável pelo o legislador deverá ser aquela que não importando o sexo seja menor de 14 (catorze) anos ou incapaz de oferecer resistência seja por deficiência mental ou física, independemente dessa pessoa ser promíscua, ter vida sexual ativa, mantenha relacionamento afetivo com o agente, não importa o sujeito ativo sofrerá os rigores da lei.

Logo que foi editada a Lei 12.015/2009, surgiram muitas controvérsias em relação à presunção da vulnerabilidade da vítima menor de 14 (catorze) anos. Discutia-se com relação à dúvida ou incerteza do acusado quanto à real idade da vítima, como também a conduta sexual desta última; o fato de existirem adolescentes menores de 14 anos com desibinição psicológica ou até já corrompidas, e de porte físico comparável ao de uma mulher adulta. Vários foram os julgados, em alguns casos, entendendo que a vulnerabilidade era relativa e, em outros, absoluta. Ou seja, examinando o caso concreto, se o entendimento era de que a presunção da vulnerabildade era relativa, o acusado seria absolvido. E se fosse considerada absoluta, o acusado seria condenado com base no artigo 217-A.

Atualmente, de acordo com a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o tipo “estupro de vulnerável” previsto no artigo 217-A do Código Penal não admite qualquer possibilidade de flexibilização ou de prova contrária à presunção absoluta de violência contra o menor de 14 anos.

Com relação às pessoas que, por deficiência mental ou física não podem oferecer resistência, é necessária uma análise da incapacidade mental por perito para que possa configurar o crime de estupro de vulnerável, devendo a sintomatologia de a incapacidade mental ser manifesta, passível de ser percebida por leigos. Caso contrário, o sujeito será absolvido por erro quanto ao elemento do fato, visto que a incapacidade mental admite graus variados e, muitas das vezes, os sintomas se ocultam do próprio médico, ainda mais do leigo.

Imperioso destacar que com relação à vítima que não pode oferecer reistência por ter a sua oposição real anulada por meios inibitórios, surgindo então o enfraquecimento das faculdades mentais impossibilitando-a de resistir, a exemplo da vítima embriagada, anestesiada, sob efeito de entorpecentes e outros mais, deve-se examinar o caso concreto para se obter a prova. Isso porque, apesar da vulnerabilidade ser absoluta, a responsabildade penal não é, sendo que através do devido processo legal se é possível chegar a condenação ou absolvição do acusado.

Concluimos que o estupro de vulnerável não é um crime que tem como vítimas apenas os menores de 14 (catorze) anos e sim aqueles que não têm capacidade de consentir e que se enquadram no parágrafo primeiro do artigo 217-A. Além disso, o consentimento de um menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos é válido quando este não for portador de deficiência mental e capaz de oferecer resistência.

Leia também:

Há estupro contra homens e dentro do casamento

Estupro, um crime contra a dignidade sexual

Paradigma atual do estupro: o homem como vítima​


Referências:

CROCE, Delton; CROCE JÚNIOR, Delton. Manual de Medicina Legal, 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

AVENA, Norberto. PÂNCARO, Cláudio. Processo Penal: esquematizado/ Norberto Avena – 5ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013.

*Marta Xavier de Lima Gouvêa é defensora pública de Minas Gerais; professora universitária; pós-graduada em Direito Civil e Direto Processual Civil, bem como em Didática do Ensino Superior; e mestranda em Direito Penal e Criminalística.

Nenhum comentário:

Postar um comentário