domtotal.com
Abrir-nos ao Espírito do Filho Ressuscitado é a possibilidade de escutar nosso chamado.
Pensar a vocação é ir para além do que habitualmente pensamos, como sendo algo predeterminado.
Por Felipe Magalhães Francisco*
“[...] O Senhor Deus chamou o homem e perguntou: ‘Onde estás?’” (Gn 3,9). Esse é um versículo que, aparentemente, nada tem a ver com o tema da vocação. Afinal, ele compõe um conjunto de versículos que narra a origem e a decisão humana pelo pecado. No entanto, se pensarmos bem, também na experiência do pecado desponta a dimensão da vocação: não foram feitos para serem como deuses, mas é na humanidade que são chamados a se realizar. O reconhecerem-se nus, nesse sentido, é simbolismo importante, tanto demonstrando o fracasso humano de querer ser como deus, bem como para revelar que é na fragilidade do humano criado que nos relacionamos com Deus. Dessa maneira, dizer que na experiência do pecado desponta a dimensão da vocação, não é pelo pecado em si, mas pela gratuita iniciativa divina de sempre querer ter o ser humano comungando de sua vida, amando-nos em nossas fragilidades.
A palavra vocação, ao ser pronunciada, já carrega seu significado: chamado. O ser humano é constantemente chamado: à vida; a voltar-se para Deus; a realizar-se como pessoa, na relação com os outros. Contudo, essa vocação não significa apenas chamado externo, de Deus para nós. Significa, outrossim, discernir um movimento interior, que nos impulsiona, de dentro para fora. Deus nos chama desde dentro de nós mesmos. Só assim é que podemos nos realizar, quando encontramos sentido no chamado. É por isso que a dimensão do discernir se faz importante, pois trata-se de que nos descubramos, num exercício espiritual, para que, conhecendo-nos, podermos nos realizar, em nossa humanidade criada.
Pensar a vocação, então, é pensar para além do que habitualmente pensamos, como sendo algo predeterminado para nossas vidas. Predestinados somos, é verdade, para a comunhão com Deus, na grande festa do Reino. E o caminho, que reconhecemos ser Jesus, leva-nos por muitas sendas, a fim de que cresçamos humanamente, pois, só quando nossa humanidade se encontrar plenamente humanizada é que plenificaremos essa nossa vocação de viver uma vida no coração da Trindade. Em Jesus temos um paradigma de realização da humanidade. “Nascido de mulher” (cf. Gl 4,4), que significa que verdadeiramente humanizou-se, o Filho de Deus, em toda a sua vida, não só nos revelou o rosto de seu Pai, bem como inspira-nos a como viver, plenamente, nossa humanidade, para que sejamos filhos e filhas do Pai, irmãos e irmãs seus. “E a prova de que sois filhos é que Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: ‘Abá, Pai!’” (Gl 4,6).
Ora, se vocação é, antes de tudo, discernimento do que somos chamados a ser e de como nos realizar nesse processo, e temos em Jesus um paradigma seguro de como viver plenamente nossa humanidade, sabemos que é o mesmo Espírito, que animou e inspirou a Jesus, que nos torna capazes de corresponder, de dentro para fora, ao nosso chamado primordial à plenitude da vida. Abrir-nos ao Espírito do Filho Ressuscitado é a possibilidade de, verdadeiramente, escutarmos nosso chamado, discernindo, na história, os rumos de acolhida, de resposta e de realização desse chamado. Já bem sabemos que nossa vocação não significa sermos como deuses, trilhando um caminho de autossuficiência, mas, que somos chamados a viver em comunhão, realizando nossa humanidade, ainda que frágil porque criada assim, atentos à voz de Deus, que irrompe dentro de nós mesmos, chamando-nos a viver de sua vida, divinizados por sua graça. Em outras palavras: viver nossa vocação é deixar que o Espírito nos divinize, porque o deixamos que, aos modos de Jesus, ele nos humanize.
Leia também:
Vocação: escuta e discernimento
Vocação: o específico da existência diante de Deus
Designou-me para o seu serviço
*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Coordena, ainda, a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015).
Nenhum comentário:
Postar um comentário