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'Fábián e o caos', de Pedro Juan Gutiérrez, é uma porrada no regime comunista cubano.
Che Guevara, precursor da moral homofóbica do regime comunista cubano.
Por Marco Lacerda*
Por mais indefinida que pareça, Cuba vive uma transição. Seja qual for o rumo dos novos ventos que sopram na ilha, a ditadura instalada por Fidel Castro em 1959 tem contas a acertar com o passado, assim que se libertar do princípio autocrático do partido único e da punição exemplar dos dissidentes.
É uma verdade admitida nos livros de história que Hitler foi responsável pela morte de 60 milhões de seres humanos, Stalin por 100 milhões e Mao Tse Tung por 2 milhões, seguidos por uma legião de tiranos de todo o mundo cuja diversão preferida era matar – difícil afirmar se por razões políticas ou pelo prazer sádico de exterminar vidas. Mesmo distante desses patamares de barbárie, em 60 anos de regime comunista cubano foram mortas 115 mil pessoas, entre fuzilados, assassinados e desaparecidos, segundo dados do Harvard Research Institute.
Em seu livro mais recente, ‘Fabián e o caos’, Pedro Juan Gutiérrez fala de um outro tipo de vítimas da ditadura castrista: os mutilados existenciais, condenados ao silêncio e forçados a atravessar a vida espreitados por terror e medo.
Era a década de 1960 e a revolução cubana acabava de triunfar. Dois jovens sem nada em comum tornam-se amigos. Pedro Juan, velho conhecido dos leitores de Pedro Juan Gutiérrez, é atlético, bonitão, um sedutor amante de mulheres voluptuosas. Fabián é o oposto: assustado, míope, feioso e homossexual. Depois de um longo intervalo, seus caminhos voltam a se cruzar.
Pedro tornou-se um hedonista chegado ao sexo sem compromisso e Fabián, um pianista exímio, mas incapaz de lidar com a realidade hostil e repressora que impera no país. É preso como maricón ao ser flagrado fazendo sexo numa praia, expulso da academia de artes onde estuda piano e enviado a uma fábrica de enlatados de carne reservada aos párias da nova sociedade revolucionária. A partir de então, passa a viver cada vez mais encerrado em si mesmo.
Baseado em fatos reais, este é um livro de contrastes – de luzes e sombras, vigor e desespero, gozo e repressão, bem ao estilo do Bukowski caribenho encarnado por Gutiérrez. Mas não chega a surpreender com grandes revelações. Neste sentido, o documentário ‘Conduta imprópria’, do diretor de fotografia hollywoodiano Néstor Almendros, é bem mais ousado.
Conduta imprópria
Almendros foi exaltado por cineastas como François Truffaut como um dos maiores do século 20. Nascido na Espanha mas criado em Cuba onde se refugiou com a família perseguida pelo regime franquista, mal sabia ele o que o futuro lhe reservava com a chegada ao poder de Fidel Castro.
Muitas vezes premiado, nos anos 70 Néstor Almendros ganhou um Oscar por ‘Cinzas no Paraíso’, dirigido por Terrence Mallick. Nos anos 80, pouco antes de morrer de Aids, realizou o documentário ‘Conduta imprópria’ (veja o vídeo abaixo), que faz revelações jamais ousadas nem pelos anti-castristas mais fervorosos. O fotógrafo desnuda a homofobia do regime comunista cubano, imposta por Che Guevara, e as atrocidades cometidas em nome de uma moral que mais parecem caprichos de um líder narcisista, enquanto a camarilha fidelista era saudada em todo o mundo como redentora da humanidade.
Com linguagem crua e fundamentado em documentação nunca questionada, Almendros mostra as viagens de Guevara a países do bloco soviético numa cruzada de aprendizado dos métodos utilizados por seus congêneres comunistas para exterminar homossexuais. O resultado é um espetáculo de horrores. As técnicas usadas pelos regimes chinês, búlgaro e romeno – para citar alguns – nada ficam a dever às de Hitler e Stalin.
Na impossibilidade de reproduzir em Cuba um reduto de martírios como os que vira no bloco soviético, Guevara optou por criar campos de concentração e trabalhos forçados onde os homossexuais eram confinados juntos a todo tipo de dissidentes do regime. Difícil supor que o ícone universal das causas políticas mais nobres e apaixonadas tenha uma passagem tão obscura em seu currículo.
A grandeza do romance de Pedro Juan Gutierréz, além da pertinência do tema e de suas qualidades literárias, reside na coragem de abordá-lo em um país onde ainda sobrevivem resquícios do modelo stalinista que acabou por levar o bloco soviético ao colapso. Ao dar as costas para as mentiras oficiais, os dois personagens de Gutiérrez tornam-se uma síntese do drama de todos os cubanos, mantidos na ignorância e no medo em relação aos bastidores de sua própria história, onde pensar é um luxo proibido aos sobreviventes. Para fugir do medo, o melhor é não pensar. Pedro Juan Gutiérrez ousa pensar. Mais que isso, ousa escrever.
Conduta Imprópria, documentário de Néstor Almendros
*Marco Lacerda é escritor, jornalista e Editor Especial do DomTotal
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