domtotal.com
Por que o carroceiro maltrata o cavalo, sócio, na busca do seu sustento?
Direito dos animais vem restabelecer a harmonia original entre os habitantes terrestres.
Por Sébastien Kiwonghi Bizawu*
A obra de Milan Kundera: L´insoutenable légèreté de l´être, comentada por Aline Louangvannasy em “Le sourire de Karenine”, nos leva à uma profunda reflexão sobre o relacionamento que o ser humano mantém com os animais. Para Kundera, “A verdadeira bondade do homem (ser humano) só pode se manifestar em toda a pureza e em toda a liberdade que aos olhos daqueles que não representam nenhuma força. O verdadeiro teste moral da humanidade (o mais radical, o qual está situado em um nível mais profundo que escapa a nossa atenção), são as suas relações com aqueles que estão à mercê de sua vontade: os animais.” É aqui que ocorreu a falha fundamental do homem (ser humano), tão fundamental que dela decorrem todas as outras.” (tradução livre)
Com o presente artigo, pretendemos incitar o (a) leitor (a) a adentrar no cerne da questão relativa à relação entre o ser humano e os animais, pois é imprescindível voltarmos aos tempos remotos em que existiam a harmonia, o equilíbrio e o saber cuidar da própria natureza, indispensável para a sobrevivência de todas as espécies, inclusive a espécie humana.
Observa-se que a falha fundamental ocorreu com o rompimento do equilíbrio original quando o ser humano, em uma visão antropocentrista, começou a explorar e exterminar os animais que lhe eram submissos, não no sentido de manifestar a superioridade, mas de responsabilidade e colaboração quanto ao ato criador. A complexa relação do ser humano com o meio ambiente é um comando para a construção de novas relações com seres não humanos, diferentes na sua essência e, ontologicamente totalmente diferentes, cuja outrocidade e não alteridade interpela o agir comportamental do ser humano. O Ser Animal é uma realidade que faz parte do processo da construção do meio ambiente ecologicamente equilibrado que clama pelo restabelecimento de harmonia original. O ser humano é convidado a melhorar as relações de convivência social tanto com seus semelhantes como com os seres não humanos. Não se trata de uma questão de amar ou não amar, mas de uma atitude correta de respeito para com as outras espécies que fazem parte do universo. Por que o carroceiro maltrata o cavalo, sócio, na busca do seu sustento? O que justifica a força de chibatadas na pele daquele animal fundamental para a sobrevivência do carroceiro e sua família? Nietzsche se distanciou do ser humano ao se deparar com um carroceiro que maltratava seu cavalo. Em 1889, ele avistou um cavalo e um cocheiro, batendo-o com chicote. Comovido pela cena, Nietzsche se aproximou do cavalo, segurou o pescoço do animal entre seus braços e na frente do carroceiro explodiu em lágrimas. Dizem-se que a partir daquele momento, Nietzsche nunca mais foi a mesma pessoa, isolando-se de outros homens. É precisamente o momento em que se manifestou sua doença mental.
O gesto de Nietzsche adquiriu um significado muito importante e relevante tanto no mundo filosófico como no âmbito jurídico, pois, em uma sociedade que valorizava o antropocentrismo, a atitude do filósofo foi visto como um pedido de perdão ao cavalo, ou seja, uma maneira de pedir perdão em nome de Descartes que tinha uma visão diferente dos animais e sua loucura foi interpretada como uma ruptura, um divórcio com a humanidade, no momento em que ele começou a chorar pelos sofrimentos infligidos ao cavalo. O Direito dos animais vem restabelecer a harmonia e a sinergia originais e não ressuscitar uma discussão baseada em relações de força, mas objetiva reinstaurar a discussão sobre o poder usurpado pelo ser humano do cavalo e da vaca, do cachorro e do urubu e demais seres não humanos para se dar, ao mesmo tempo. o poder de matar com requinte de crueldade tanto os seus semelhantes nas guerras como os outros seres não humanos. Quem lhe deu o direito de matar se a ordem era de dominar os outros seres, no sentido, de saber cuidar com responsabilidade? Daí, o surgimento da falha fundamental que levara o homo sapiens para se tornar homo demens. Uma demência indizível e inimaginável que perdura até hoje! Vergonha!
Leia também
Desastre ambiental e os bens irreparáveis
Consumo de animais amplia exploração do planeta
Gestão de riscos de desastres na Defesa Civil
Sugestão de pauta
A Super Manchete de Meio Ambiente é uma publicação semanal do portal DomTotal, em parceria com a Escola Superior Dom Helder Câmara, com a colaboração de profissionais e especialistas nos temas abordados. Envie-nos sugestões de assuntos que você gostaria de ver nesta editoria, pelo e-mail noticia@domtotal.com, escrevendo 'Manchete de Meio Ambiente no título da mensagem. Participe!
*Sébastien Kiwonghi Bizawu é professor de Direito Internacional e Pró-Reitor do Programa de Pós-Graduação. Líder do Grupo de Pesquisa Direito dos animais, Economia, Cultural, sustentabilidade e Proteção Internacional da Dom Helder Escola de Direito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário