terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Mediocracia

domtotal.com
O mediocrata é aquele que, além de ser medíocre, atrapalha outros a saírem da mediocridade.
Segunda edição do Blues no Morro chega a BH no dia 16 de dezembro.
Segunda edição do Blues no Morro chega a BH no dia 16 de dezembro.
Por Gilmar Pereira

Está na moda cunhar palavras novas para coisas velhas. É um jeito maroto de tentar definir um fenômeno criando um conceito e delimitando sua atuação. Foi assim com o bullying, que antes dos anos 2000 já existia, mas era tratado de outra forma. Deixei-me levar pela moda e criei o meu. Quem sabe não vira termo técnico e começa a ser usado nos estudos sociais?

Apresento-lhes um paradigma de vivência: a mediocracia.  Contudo, como muitos termos técnicos, o meu já existe. Caso você busque no dicionário, vai encontrar que isso designa um “sistema político ou social em que a administração e a autoridade são exercidos pela classe média”. Por isso, precisamos recategorizar a expressão.

O ocre é usado na pintura para destemperar a tinta. Acho que daí surge a ideia de medíocre como aquilo que é mediano, nem forte, nem fraco.  Não obstante, esse médio tem valor negativo, porque não é nada suficiente para se tornar interessante. É como chá. No calor, bem gelado, tem seu valor. No inverno, bem quentinho, torna-se um acalento. Já o morno... O medíocre é o morno do Apocalipse: “pois que não és quente, nem frio, estou prestes a te vomitar”.

A mediocracia, para mim, não é o governo da classe média – que pode também lutar bravamente para viver com dignidade. Mediocracia é o governo da mediocridade. E quando digo governo, falo de qualquer tipo de gestão, inclusive da própria vida. Aliás, acho que a mediocracia se instala no indivíduo e gera cultura, de modo que se torna práxis social. A frase máxima mediocrática é “não precisa tanto”. Não precisa estudar tanto, não precisa fazer tanto esforço, não precisa tanto isso ou aquilo...

E a mediocracia é tão ruim, que deve ser lida pelos seus reveses. Peguemos a religião. Tome um Nietzsche que vai levando seu raciocínio até o limite. Veja que não é uma crítica superficial. O pensador leva suas ideias com paixão! Tome um Francisco de Assis que radicaliza a experiência de Deus na própria vida. Ambos necessários à humanidade. E o medíocre? Não leva suas dúvidas de fé a termo para não perder aquilo que pensa crer. Mas também não afirma a fé ao ponto de ter sua vida tocada por ela. Assim, mediocremente, não nega a fé porque nunca chegou a crer de verdade. Por isso Jesus dizia que não tem essa de aumentar a fé. Se a tiver, ainda que seja do tamanho de um grão de mostarda, a montanha se move. Tem coisas que ou a gente tem ou não tem.

E o mediocrata? É aquele que, além de ser medíocre, atrapalha outros a saírem da mediocridade. Ele debocha de perguntas existenciais, diz que outros vão ficar loucos se estudarem ou pensarem demais, segue sem questionar qualquer líder e os indica para outros... O mediocrata é antes de tudo um burocrata da mediocracia. Ele tolhe as inquietações alheias porque elas desinstalam o outro que, por isso, incomodam-no. Pessoas inquietas causam pavor ao mediocrata porque apontam sua mornidão só pelo fato de não serem como ele. Sua tarefa é lançar tais pessoas no ridículo ou no descredito para lhes calar. Depois saem repetindo máximas e sentenças facilmente aceitas e sem reflexão, que anestesiam o pensamento e instauram o estado de alienação.

Blues no morro

Gosto de olhar os exemplos de afirmação de povos e pessoas na história, como formas de não se acomodar na mediocridade. Assim aconteceu com os spirituals, cantos das comunidades negras dos Estados Unidos que continham, junto à sua expressão religiosa, resistência à escravidão. Foi desse gênero musical que desdobrou o blues, do qual derivam rock, R&B, jazz etc. Mesmo em sua estrutura repetitiva e notas de frequência baixa, há grande vigor. Saborear o blues não lhe deixa o mesmo.

Quem quiser sair do comum, em BH há a possibilidade com o festival Blues no morro. O evento é uma iniciativa das produtoras Era Vinil e Vitrola Viva, e chega com tudo para a segunda edição. O objetivo do evento é democratizar o blues não apenas como estilo musical, mas também como forma de linguagem e comportamento. Várias vertentes do estilo serão apresentadas ao público, com intervenções de música, dança, audiovisual, arte urbana, tatuagem e linguagem corporal.

Será no dia 16 de dezembro de 2016, no GRES Cidade Jardim (R. do Mercado, 150 - Conj. Santa Maria, Belo Horizonte), das 19h às 3h. Mais informações: bluesnomorro@gmail.com ou na página do Facebook.

Gilmar Pereira
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, graduado em Filosofia pelo CES-JF, graduando em Teologia pela FAJE. Apaixonado por arte, cultura, filosofia, religião, psicologia, comunicação, ciências sociais... enfim, um "cara de humanas". Escreve às sextas-feiras.

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