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Se o Papa começasse a ordenar homens casados, ele seria imediatamente glorificado pela maioria das pessoas como um grande agente de mudanças.
Papa indicou estar aberto sobre padres casados. (Divulgação)
Por Jamie Manson
Como amplamente divulgado na semana passada, o Papa Francisco aprovou um documento chamado "O dom da vocação presbiteral",
que proíbe gays de participarem de seminários e de serem ordenados.
Ou, pelo menos, a maioria deles. O documento afirma:
"... A Igreja, embora respeitando profundamente as pessoas em questão, não pode admitir ao Seminário e às Ordens sagradas aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apóiam a chamada 'cultura gay'."
Embora o Vaticano deixe na imaginação o que precisamente é a 'cultura gay', as diretrizes sugerem que os seminaristas homossexuais que agirem como heterossexuais, esconderem sua sexualidade, reprimirem seus desejos sexuais e se opuserem a qualquer campanha pelos direitos LGBT podem ter uma pequena janela de oportunidade clerical.
As orientações demarcam, ainda, que "estas pessoas encontram-se, de fato, em uma situação que constitui um grave obstáculo a um correto relacionamento com homens e mulheres" e, portanto, "de modo algum se hão de descuidar as consequências negativas que podem derivar da Ordenação de pessoas com tendências homossexuais profundamente radicadas".
Se a Igreja tem mesmo um "profundo respeito" por eles, demonstra isso de uma forma bastante torta.
Menos divulgada na semana passada foi a homilia celebrada pelo Papa Francisco na Casa Santa Marta, no dia 9 de dezembro, um dia após o lançamento de "O dom da vocação presbiteral".
Embora Francisco pretendesse usar a sua mensagem para criticar "sacerdotes mundanos e inflexíveis", uma história misógina e homofóbica em seu texto pareceu amplificar a restrição de homens homossexuais à ordenação do dia anterior.
De acordo com a Rádio Vaticano, o Papa disse:
“Sobre rigidez e mundanidade, aconteceu há algum tempo, que veio a mim um Monsenhor idoso da Cúria, que trabalha, um homem normal, enamorado de Jesus e me contou que havia ido ao ‘Euroclero’ (loja de roupas do clero) para comprar algumas camisas e viu diante de um espelho um jovem – de cerca de uns 25 anos, segundo ele, o padre jovem ou prestes a tornar-se padre –, com uma manta, grande, larga, de veludo, com uma corrente de prata. E depois pegou o Saturno, chapéu clerical de abas largas, o colocou e ficou se olhando. Rígido e mundano. E o sacerdote - é sábio o Monsenhor, muito sábio – conseguiu superar a dor, e, com uma história de bem-humorada, acrescentou: “E depois se diz que a Igreja não permite o sacerdócio às mulheres!”.
Francisco descreve o monsenhor idoso como um "homem normal, um homem bom", talvez como um contraponto ao jovem anormal, 'almofadinha', vestindo-se em frente ao espelho. O monsenhor idoso é "apaixonado por Jesus" - o único homem, aparentemente, por quem um sacerdote deve se apaixonar.
O monsenhor fica tão angustiado por este jovem e vaidoso clérigo, conta Francisco, que a única maneira de aliviar a sua dor é fazer uma piada. Infelizmente, esta "saudável dose de humor" acaba ridicularizando as duas mais graves ameaças para o sacerdócio católico romano: mulheres e homossexuais.
Se o Papa estava simplesmente comentando sobre como a postura orgulhosa do rapaz era uma demonstração do poder corruptor do clericalismo, sua lição é válida. Mas, ao repetir uma piada que zomba da sexualidade do homem e menospreza a luta pela igualdade das mulheres na Igreja, o Papa revela um ressentimento preocupante de mulheres e homossexuais que querem servir à Igreja no ministério ordenado.
O final da história do monsenhor idoso é tão homofóbico quanto misógino. Caracteriza o comportamento feminino como vaidoso e afetado. E o pior de tudo é que sugere que a pior maneira de diminuir um homem é compará-lo a uma mulher.
É irônico que o Papa Francisco use uma história tão humilhante para falar de humildade e um tom tão julgador para condenar a rigidez. É estranho que ele critique um jovem padre mundano e pretensioso promovendo uma visão excludente e elitizada do sacerdócio.
Embora alguns possam argumentar que a piada foi duma observação improvisada, há muitos indicativos de que uma campanha mais calculada pode estar vindo por aí.
É interessante notar que, nesta mesma homilia, o Papa Francisco afirma que podemos saber "que tipo de sacerdote um homem é por sua atitude com as crianças".
"Se souber como acariciá-la, sorrir para ela, brincar... quer dizer que sabe que isso significa rebaixar-se e aproximar-se das pequenas coisas", disse Francisco.
Será que sua homilia sugere que homens e pais heterossexuais são os melhores sacerdotes?
O Papa nunca se intimidou em louvar a santidade da unidade familiar heterossexual. Ele considerou a família a "obra-prima da sociedade" e frequentemente nos lembra que Jesus "começa seus milagres com esta obra-prima, em um casamento, uma festa de casamento: um homem e uma mulher".
Nas últimas seis semanas, o Papa deixou sua visão do sacerdócio nitidamente clara. No dia 1º de novembro, ele confirmou a proibição da ordenação de mulheres e agora vem reafirmando a da maioria dos seminaristas homossexuais.
Todas estas pistas nos levam a questionar se Francisco está preparando os fiéis para um novo modelo de sacerdócio: em que homens jovens e casados podem se candidatar à ordenação.
Muitos lamentaram sua proibição de seminaristas homossexuais como uma traição de seu lendário "Quem sou eu para julgar?". Mas talvez Francisco tenha pautas muito maiores em andamento e sua necessidade desesperada de preencher as vagas ao sacerdócio esteja acima de qualquer desejo seu de ser mais gentil com os gays.
Talvez o movimento para rechaçar seminaristas gays seja parte de um esforço planejado para tornar a vida do seminário mais masculina e heterossexual, em uma nova safra de candidatos hetero.
O Papa indicou claramente que está aberto ao diálogo sobre padres casados.
No último agosto, Austen Ivereigh, do Vatican Insider, escreveu um ensaio declarando que "o próximo Sínodo provavelmente focará a ordenação de homens casados".
Ivereigh cita exemplos de grupos de homens casados com famílias, na África do Sul e em Honduras, que foram escolhidos por suas comunidades para ministrar no turno em que não estavam trabalhando em suas profissões.
"Francisco já deu muitos sinais de estar disposto a abrir a questão da ordenação de homens casados, até mesmo incentivando as igrejas locais a apresentarem propostas", escreveu Ivereigh.
Alguns teólogos argumentam que a mudança para um sacerdócio de homens casados é relativamente simples. Ao contrário da proibição da Igreja da ordenação de mulheres e de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, que são "doutrinas", o ensino do celibato é considerado uma "disciplina" e, portanto, mais fácil de mudar.
A Igreja institucional tem muito a ganhar em instaurar este sacerdócio. Obviamente, afastaria a crise iminente da falta de padres.
E também poderia servir como ferramenta de evangelização e de promoção da família, uma vez que um sacerdote e sua esposa seriam modelos dos papéis complementares dos gêneros, frequentemente elogiados pelo Papa. O marido seria o pai tanto da paróquia quanto da família, e sua esposa seria a mãe que cuida e alimenta.
Pode trazer de volta todas as famílias heterossexuais que se preocupam menos com a justiça com as mulheres e as pessoas LGBT e mais com poder se identificar com um padre que também é marido e pai.
Esta mudança certamente inspiraria doadores ricos que financiam causas buscando erradicar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Eles podem ver padres casados como uma referência aos valores da família e do "matrimônio tradicional".
Muitos católicos por vezes se queixam de que os nossos jovens seminaristas celibatários são muito conservadores. Mas eles devem saber que há muitos jovens heterossexuais, católicos e conservadores, casados com mulheres igualmente conservadoras, dispostos a exercer o sacerdócio. E eles defenderiam com gosto os ensinamentos da Igreja sobre mulheres, complementaridade entre os sexos, questões LGBT e até mesmo contracepção.
Se o Papa começasse a ordenar homens casados, ele seria imediatamente glorificado pela maioria das pessoas como um grande agente de mudanças. Mas quando consideramos a reafirmação da proibição de seminaristas homossexuais e de mulheres ao sacerdócio, é preciso se questionar se essa mudança realmente traria progresso genuíno, ou ao menos justiça, para nossa Igreja.
Permitir sacerdotes casados representaria um grande salto à frente para os homens heterossexuais, mas muitos passos para trás para as mulheres e os homens homossexuais que se sentem chamados à ordenação ministerial em sua Igreja.
Os que incentivam o sacerdócio de homens casados têm que encarar a realidade de que estão, intencionalmente ou não, defendendo o avanço da dominação e o privilégio masculino e heterossexual na Igreja. O que pode parecer um passo adiante em nossa Igreja pode, no fim, criar um sacerdócio ainda mais excludente.
National Catholic Reporter/ IHU- Tradução:Luísa Flores Somavilla.
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