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O quintal também é um santuário.
Como diz Fernando Pessoa: a realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus (Reprodução)
Por Pedro Lima Junior*
Em outubro do ano passado saímos de um apartamento para morar numa casa. Casa pequena, mas com quintal. Espaço suficiente para meu filho poder brincar. Um lugar para relaxar que não seja apenas o sofá. Um escape, um refúgio, um local para ficar tranquilo...
No quintal a gente conversa, toma chimarrão da esposa gaúcha, cuida das rosas, poda as plantas, corta a grama, tira o mato, rega a horta e colhe os frutos que a terra dá. Ali a gente coloca uma toalha sobre a grama e fica olhando para o céu sem pensar em nada. Joga bola com o filho e grita bem alto “goooool do Galoooo”, já que não tem mais síndico para reclamar.
O quintal também é um santuário. É estranhamente gostoso acordar sozinho na cama no sábado ou no domingo, mas ter a certeza de que, ao abrir a cortina do quarto eu irei vê-la sentada, sobre a almofada, em posição de lótus, fazendo sua meditação. E depois, ao fazer o café, vê-la novamente pela janela da cozinha anotando no caderninho sua revisão de oração. O que será que ela deve ter sentido na meditação? Que inspiração ou desolação ela deve estar anotando? Ela sorri para mim e eu sorrio de volta. Não preciso mais saber. Naquela relação de intimidade, a minha curiosidade é suprida pelo amor.
E todas essas coisas acontecem não porque estamos livres de problemas. Há muita gente que pensa que para rezar, meditar e estar de bem com a vida, é necessário abolir primeiro os problemas, as dívidas, as injustiças, o medo, o pecado... Se fosse assim, jamais rezaríamos, pois assim como cremos que Deus não nos abandona, os problemas e os desafios também não. Nessas horas eu lembro: o quintal está ali, à nossa espera.
Há alguns dias, neste mesmo quintal – jardim secreto onde Deus se faz presente de inúmeras formas – reunimos alguns amigos para poder celebrar o reencontro de um outro amigo em comum que retornara da França. Como no monte em que Jesus pregava às multidões, o milagre da partilha se fez no quintal. Cada um trouxe seus pães e peixes, e nada faltou. A não ser um pouco mais de tempo.
No quintal relembramos histórias, demos boas risadas, comemos, bebemos, ouvimos música, conversamos e partilhamos verdadeiros sentimentos. Era nítida a alegria do amigo que retornara ao Brasil. Acredito que em todos. Estava tão bom, mas tão bom, que nem lembramos de tirar foto. Até que alguém disse que seria oportuno uma foto para que ficasse, ao menos, registrado aquele momento. Memórias deliciosas plantadas no quintal de casa.
Misteriosamente, o quintal tornou-se um lugar sagrado: eu tiro as sandálias dos meus pés para nele adentrar. Como diz Fernando Pessoa: “a realidade é o gesto visível das mãos invisíveis de Deus”; e assim eu rezo a realidade, a partir do meu quintal. Contudo, uma única coisa eu peço a Deus: que de vez em quando desperte em mim a saudade de ficar a sós com Ele, seja no quintal de casa ou em qualquer outro lugar. E que eu saiba reconhecer o movimento das tuas mãos invisíveis. E isto me basta!
*Pedro Lima Junior é pai do Pi e esposo da Si. É historiador, cientista da religião, professor, inaciano, atleticano e gosta de escrever informalmente no blog http://pedrolimajr.tumblr.com/. Colabora agora no site Dom Total.
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