terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O encontro com o Mestre de modo especial nos pobres

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Todo cristão é desafiado a descobrir a partir do mundo dos pobres os sinais da presença de Deus e a chama da esperança que não se deixa apagar.
Um aspecto particular do amor de Cristo é o pleno respeito a cada pessoa e a sua cultura.
Um aspecto particular do amor de Cristo é o pleno respeito a cada pessoa e a sua cultura. (Funai)
Por  Paulo Tadeu Barausse, SJ*

O desígnio de Deus ao dar a seu povo uma terra foi assegurar uma vida digna ao povo de Deus. Não pode haver pobres. A terra estava dividida de maneira tal que todos pudessem viver dignamente (Ex 33-36). A lei foi dada para assegurar a igualdade.

Os profetas nos farão ver a origem da pobreza: a cobiça e a injustiça. A desobediência a Deus está na origem da opressão que faz que os pobres não desapareçam deste país. Não é possível libertar os pobres sem comprometer-se com a reconciliação entre ricos e pobres, para uni-los no combate contra a injustiça social. Por outro lado, não é possível lutar contra a injustiça sem comprometer-se no combate de Cristo, que realizou seu Êxodo para a remissão do pecado (Lc 46-48). É a realização final da profecia de Isaías que Jesus leu em Nazaré: “Porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres […] para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). Desde o alto da cruz Jesus proclamou o ano de graça, rezando em voz alta: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

Também Jesus de um modo especial está nos pobres, aflitos e enfermos (Mt 25,37-40), que reclamam nosso compromisso e nos dão testemunho de fé, paciência no sofrimento e constante luta para seguir vivendo. Quantas vezes os pobres e os que sofrem realmente nos evangelizam! “No reconhecimento dessa presença e dessa aproximação, e na defesa dos direitos humanos dos excluídos se joga a fidelidade da Igreja a Jesus Cristo” (NMI 49). “Da contemplação de seus rostos sofridos e do encontro com Ele nos aflitos e marginalizados, cuja imensa dignidade Ele mesmo nos revela, surge nossa opção por eles. A mesma adesão a Jesus Cristo é a que nos faz amigos dos pobres e solidários com seu destino” (DA 257).

O serviço aos pobres nos põe em contato com um setor da humanidade em que se encontram ‘os mais ínfimos’, nos diz Gregório Magno. A pobreza é uma condição que afeta a totalidade da vida de uma pessoa: afeta suas possibilidades de educação, de trabalho, de realização humana, de uma vida digna. Servir aos pobres é ato de evangelização e, ao mesmo tempo, selo de fidelidade ao Evangelho. O que deve ser enfatizado é que existe uma unidade de dois aspectos em uma só ação. O ato de serviço aos pobres é um ato em si mesmo evangelizador A predileção pelos pobres que a vida de Jesus evidencia é já Evangelho, como quer ressaltar o texto de Lucas 4,16-19. Pertence ao conteúdo da missão.

O clamor dos pobres e oprimidos ressoa no mundo atual, expressando a dor de milhares de pessoas. Sem ingenuidade, sem fechar os olhos à dramática realidade social, todo cristão é desafiado a descobrir a partir do mundo dos pobres os sinais da presença de Deus e a chama da esperança que não se deixa apagar.

Por isso Deus se coloca ao lado dos oprimidos, porque são eles os agentes da possível mudança. A partir dos pobres e com eles promove-se, portanto, uma Igreja mais encarnada a mudança que deriva do Evangelho, como parte essencial, para poder realizar o Reino de Deus que começa já dentro da história humana.

Leonardo Boff nos lembra: “O lugar do pobre é hoje mais desafiante, porque os pobres suscitam as questões mais candentes para a sociedade mundial e para todas as Igrejas. Desde os pobres se percebe quanto deve mudar a história para que todos possam ter a vida e viver sem ser explorados”.

Portanto, somos chamados a viver um cristianismo socialmente presente e eticamente militante, não deixando de levantar a bandeira da justiça e da solidariedade entre os povos, conforme o ideal de fraternidade. Um cristianismo militante não pode se omitir na luta por um sistema de maior participação econômica entre as classes e de maior integração entre os povos e nações do continente e do mundo. Um cristianismo socialmente militante não pode deixar de ser fiel ao apelo do episcopado latino-americano em favor da “opção preferencial pelos pobres”, tantas vezes repetido e tantas vezes confirmado pela autoridade papal, como no Discurso inaugural da IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Santo Domingo.

Como discípulos-missionários, somos chamados a contemplar nos rostos sofredores de nossos irmãos o rosto de Cristo que nos chama a seu serviço: os rostos sofredores dos pobres são rostos sofredores de Cristo (DSD, 178). Eles interpelam o núcleo da ação da Igreja, da pastoral de nossas atitudes cristãs.

 “Os rostos sofridos dos pobres são rostos sofridos de Cristo. Eles interpelam o núcleo da missão e de nossos compromissos cristãos” (DA 393). Na realidade, o encontro com Deus é sempre uma experiência vivificante. Esta experiência vivificante nos aproxima da glória de Deus. Segundo a esplêndida formulação de Monsenhor Romero, ‘a glória de Deus é que o pobre viva’. Portanto, a maior glória de Deus é a realização da própria vontade de Deus, que por sua vez é a vida humana digna, abundante, vivida com liberdade, isto é, o ser humano vivificado em plenitude.

Um aspecto particular do amor de Cristo é o pleno respeito a cada pessoa e a sua cultura. Ao encarnar-se, Jesus despojou-se de si mesmo e assumiu a condição de servo (Fl 2,7). Isso une o fato da encarnação não somente à humanidade de Jesus, mas também à sua pobreza: “Jesus foi um homem comum e corrente, quer dizer, um homem pobre, daqueles que formam a maioria da humanidade cada vez com mais força. Jesus optou pela existência dos pobres como o modo de inclusão de todos. Aqui aparece um elemento: que neles está ‘a outra riqueza’ proposta por Jesus em sua encarnação!” Olhar Jesus (cf. Hb 12,1-5) e o pobre, que nos revela a maneira como Ele viveu, é a única possibilidade que temos como cristãos se queremos verdadeiramente semear sementes de humanização em nossa vida e no mundo.

Terminando, todos estes elementos nos mostram como o amor preferencial pelos pobres caracterizou a Igreja ao longo da história e tem sido, nos últimos anos, mais explícito nos documentos oficiais e especialmente na palavra do Santo Padre. A opção preferencial e evangélica pelos pobres marcou as conferências episcopais de Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida. Isto supõe que, no Evangelho, Jesus-evangelizador se torna paradigma de toda a evangelização, não só por palavras com também pelos gestos de solidariedade e de serviço.

Os encontros com Cristo na Palavra, na Eucaristia e na Oração são típicos encontros dos que já são discípulos. O encontro com Cristo no pobre é propriamente missionário, vai além da fronteira da Igreja. É ponto que une a Igreja com o Reino, uma Igreja servidora do Reino, fazendo que a conduta com os pobres seja acolher a verdade da Encarnação que pôs o divino dentro do humano, e pobre é o humano marginalizado, esquecido, desprezado. Ao dar aos pobres o centro da atenção missionária, se introduz com maior claridade a importância do Juízo Final, que será um exame de toda a história a partir das atitudes de solidariedade com os necessitados, oferecendo gratuitamente os recursos que possuímos. E Jesus, ao chamar para a perfeição, põe a condição: renunciar aos bens, dar aos pobres e segui-lo (Mt 19,21).

*Paulo Tadeu Barausse, SJ é padre jesuíta, formado em Filosofia e Teologia, Coordenador do SARES (Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental – Manaus - AM)

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