Uma viagem recente e esclarecedora com a irmã beneditina Joan Chittister à ilha.
Por US $ 50, os cubanos vão levá-lo por uma hora em um dos "nossos monumentos nacionais", carros americanos da década de 1950. (Patricia Lefevere)
Por Patricia Lefevere*
HAVANA, CUBA - "A ilha mais bonita do mundo", disse Cristóvão Colombo em 27 de outubro de 1492, durante suas primeiras incursões nas praias de areia negras da maior massa terrestre do Caribe.
"Cuba" significa "terra fértil", disse Luís, meu guia local, durante dois dias de caminhada e esperas de ônibus turísticos de 5 a 6 de fevereiro na capital cubana, Havana. Os habitantes locais dizem "Koo-bah", apontou ele, enquanto uma frota de Buicks coloridos dos anos 1950, Chevrolets e Pontiacs passam.
Sem acesso a peças para carros, os cubanos se vangloriam de ter os melhores mecânicos do mundo. Eles refizeram os motores e por 50 dólares passeiam com os turistas por uma hora em um dos "nossos monumentos nacionais". A livre iniciativa está viva na Havana e precisa dos 4,1 milhões de turistas que visitaram Cuba no ano passado.
Eu me juntei à irmã Beneditina Joan Chittister e outros 117 turistas que há muito desejavam ver essa terra e aprender por que tinha sido tão difícil de visitar praticamente durante todas as nossas vidas. Nosso grupo realizou discussões sobre questões cubanas como direitos humanos, censura de imprensa, saúde, educação e religião.Um homem caminha perto da Igreja do Sagrado Coração de Jesus em Havana, em 19 de setembro de 2015. (CNS / Tyler Orsburn)
A maioria dos meus companheiros na turnê de Oportunidades Educacionais a bordo do cruzeiro grego Celestyal Crystal eram americanos aposentados, um punhado de irlandeses, britânicos, canadenses, australianos e neozelandeses cujos governos tiveram relações menos contenciosas com a Cuba marxista.
Muitos pareciam chocados com a evidente pobreza e escassez enfrentadas pela maioria dos cubanos. "Ninguém vive nos Estados Unidos com 30 dólares por mês", ressaltaram nossos guias, referindo-se ao salário mensal médio oficial do governo. Eles foram rápidos em apontar para uma economia quase "subterrânea" na qual até médicos e professores universitários complementam seus salários como guias turísticos, baristas, faxineiros e motoristas. Vários proprietários de casas oferecem hospedagem aos turistas, uma versão cubana do modelo de negócios da Airbnb. Também são abundantes os empregos de construção informal.
Muitos cubanos agradeceram ao presidente Barack Obama e ao Papa Francisco por normalizar as relações entre Washington e Havana após quase 60 anos de hostilidade arraigada. Eles nos mostraram o Teatro Nacional, onde Obama se dirigiu ao povo cubano em 2016.
Eles esperam que o presidente Donald Trump não barre o fluxo de visitantes, já que o turismo está caindo na atualidade na seção de produto interno bruto de Cuba. Perto de outra coluna, embora não sejam publicadas estatísticas oficiais, as remessas das famílias que moram fora da ilha, um estimado de 3,1 bilhões de dólares repatriados pelos exilados cubanos para famílias e empresas na ilha só no ano passado.
Cuba – com um tamanho de duas vezes o Estado da Paraíba - continua a ser a joia do Caribe. Uma traço no meio do mar, parece um crocodilo com sono. Sua cabeça aponta para o oeste, sua cauda escondida sob ameaça de qualquer pessoa que invadisse do Leste. Encontram-se nela os portos, os estuários, as florestas, as montanhas, um monte de minas - cobre, níquel, manganês, cobalto e cromo - e milhões de acres de cana, tabaco e café.
Durante cinco séculos, essas culturas foram o pilar econômico para os colonizadores espanhóis e americanos e para os proprietários cubanos. A Espanha importou um milhão de africanos para trabalhar nos campos, submetendo-os a condições de escravos. A presença da África em Cuba ainda é visível na arte, na música, na dança e nos rituais religiosos na metade dos 11 milhões de habitantes da ilha.
Em Cienfuegos, uma cidade portuária histórica no centro-sul de Cuba, Hilda, nossa guia, apontou para uma avenida que antes da revolução liderada por Castro em 1959 era uma avenida segregada com brancos de um lado e negros do outro.
Já na década de 1930, observou-se que as crianças negras dos trabalhadores da cana viviam durante os meses de não colheita, apenas na garapa ou suco de cana triturada com raramente qualquer proteína para nutrir seus corpos e mentes.O presidente cubano, Fidel Castro, gesticula ao Papa João Paulo II durante a cerimônia de chegada do Papa no aeroporto José Marti, em Havana, em 21 de janeiro de 1998. (CNS / Reuters / Zoraida Diaz)
Propaganda? Fake news? Ou simplesmente um comentário escrito por Ernesto Che Guevara que influenciou muito Fidel Castro durante os dias de estudante no Colégio Dolores dos jesuítas, onde o leu. Fidel e seus irmãos, Ramón e Raúl, vieram como pensionistas para Dolores em Santiago de Cuba depois de estudar brevemente com os Irmãos Cristãos que dirigiam LaSalle, também em Santiago, a segunda maior cidade de Cuba.
Os três irmãos eram os filhos ilegítimos de Angel Castro, um dos maiores proprietários de terras de Cuba, e Lina Ruz González, uma cozinheira e doméstica que morava com Angel após o nascimento de seu terceiro filho.
Todos os três irmãos de Castro frequentaram a prestigiosa escola de Santiago, com cerca de 80 sacerdotes e irmãos jesuítas, alguns outros homens de diversas ordens religiosas e alguns professores leigos. A maioria do clero educando e formando os 238 meninos - quase todos de classe alta e famílias brancas- foi um clero que veio da Espanha, partidários do líder de então, Francisco Franco.
Em 1942, Fidel foi convidado a deixar Dolores após uma contenda com outro estudante. Ele passou para Belen, outro colégio importante dos jesuítas em Havana, onde se formou antes de estudar direito na Universidade de Havana.
Mais tarde, em uma de suas raras entrevistas, Castro contou ao teólogo brasileiro Frei Betto que os jesuítas lhe ensinaram a escalar as colinas em suas excursões escolares - lições que ele aproveitou para superar as forças de Fulgencio Batista.
Enquanto rejeitou toda a educação cristã, nacionalizando as escolas católicas e outras privadas, e exilando 3.500 sacerdotes e freiras logo depois de assumir o poder, Castro mais tarde reconheceu que os jesuítas influenciaram sua organização, disciplina e valores rígidos. "Eles contribuíram para o meu desenvolvimento, eles influenciaram meu senso de justiça", escreveu em My Early Years.
Castro perdeu as mudanças feitas pelo Concílio Vaticano II e pela teologia da libertação, disse Chittister durante uma série de quatro entrevistas realizadas enquanto o navio do cruzeiro circulava pela ilha. Ele tinha pouca compreensão do impacto da religião sobre ele ou sobre Cuba, acrescentou, apontando para sua perseguição aos seguidores da religião da santeria afro-cubana. Mas, uma vez que a cultura, a arte, a literatura e a religião afro-cubanas estão fundamentais exclusivamente para a identidade da ilha, são difíceis, senão impossíveis de extinguir, observou.
A constituição de Cuba teve que remover o requisito de ateísmo em 1991, emendando-o para proclamar a nação como secular em vez de ateísta. Em uma conversa de 1998, Castro alinhou o ensinamento de Jesus com sua própria ideologia revolucionária.
Chittister perguntou se esta nova "abertura" à religião não era de fato para ganhos políticos, observando a quantidade de ajuda econômica proveniente de igrejas americanas. Pequenas multidões apareceram à visita do Papa João Paulo II em Cuba em 1998 e 1,1 milhões participaram da Missa oferecida pelo Papa Bento XVI em 2012. Nenhum visitante da Praça da Revolução deixou de assistir a esses eventos que mudaram a nação.
Chittister notou a abertura de um seminário católico em Havana em 2010, o primeiro desde 1959. O presidente Raúl Castro participou do evento junto com o arcebispo Jaime Ortega de Havana e o arcebispo Thomas Wenski, de Miami. Ela chamou o trio de "a nova trindade da unidade em Cuba".
Outro sinal das melhores relações de Havana com a igreja incluem o trabalho de apoio realizado pela Caritas, a organização global de ajuda humanitária da igreja. O presidente Raúl Castro declarou a sexta-feira santa um feriado nacional, e o Papa Francisco tornou-se seu aliado em pedir a Washington para suspender seu embargo comercial de 57 anos. Acima de tudo, Chittister apontou, o Vaticano nunca quebrou suas relações com Havana, mantendo contatos com ambos governantes, Fidel e Raúl. "Isso é admirável", disse ela.Táxi cubano (Patricia Lefevere)
Enquanto o grupo das Oportunidades Educacionais estava visitando alguns lugares, uma nova igreja abriu em Sandino, Cuba, a primeira em 60 anos, financiada por uma paróquia em Tampa, Flórida. A Igreja Católica também está realizando aulas de liderança, oferecendo um quadro moral para muitas das novas empresas estimadas em meio milhão de empreendimentos que constituem um quarto da economia cubana e um terço da força de trabalho.
Todos esses esforços deixam em evidência o papel cada vez mais importante que a igreja está desempenhando no futuro de Cuba após o aquecimento nas relações entre Havana e Washington iniciado por Obama e Francisco? Como os latinos gostam de responder, com suas mãos no ar, "Tudo é possível, nada é certo".
À medida que outro Buick antigo se aproxima, radiante com turistas felizes, aqueles nas calçadas se perguntam o que o futuro trará para as pessoas que lutam nessa bela nação, sem dinheiro e sem muitos bens que os americanos têm assegurados.
Um segundo conversível apareceu – desta vez pintado de branco com todas as pintas pretas de um Dálmata estampadas em sua carroçaria. Um turista entra, esperando que o país - como o carro - possa ser remodelado e que seu motor estatal continue ronronando sobre o pavimento áspero à frente.
National Catholic Reporter - Tradução: Ramón Lara
*Patricia Lefevere é uma colaboradora da NCR de longa data
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