sexta-feira, 8 de junho de 2018

Quem está vivo tem medo! Reflexões sobre o medo, a fé e a coragem

domtotal.com
O medo é empecilho para a realização da própria fé
Religiões podem contribuir para a superação ou instrumentalizar o medo de seus adeptos.
Religiões podem contribuir para a superação ou instrumentalizar o medo de seus adeptos.
 (Lorna Scubelek by Unsplash)
Por Felipe Magalhães Francisco*

Toda pessoa humana, em algum momento de sua vida, passou ou passará por uma circunstância na qual sentiu ou sentirá medo. Mas não, este não é um privilégio nosso, dos humanos. Faz parte do instinto de sobrevivência e, sem dúvidas, também o medo é responsável pela manutenção da vida. A questão é que nós, que nos dizemos humanos, problematizamos o medo. Apesar de seu aspecto instintivo, com suas nuances positivas e naturais, o medo pode trazer consequências sérias para a nossa vida. Ele pode ser paralisante e, mais que isso, pode acabar por se tornar uma patologia.

As religiões lidam, cotidianamente, com esta problemática tão antropológica. Esse lidar é ambíguo: pode tanto significar que elas contribuem para a superação do medo de seus adeptos, criando um ambiente religioso de segurança, quanto na instrumentalização desse medo, com fins de garantir o controle sobre esses mesmos adeptos. A verdade é que, por se tratar de uma questão humana, as tradições religiosas não podem se furtar a ela. E é por isso que oferecem palavras a seus membros e adeptos, com o propósito de possibilitar condições para que eles lidem com os próprios medos, chegando a superá-los, quando é o caso.

Um elemento importante, na relação entre tradições religiosas e a realidade do medo é que, sem dúvidas, muitas pessoas recorrem a essas tradições, justamente por medo. Muitas vezes, seguem os preceitos religiosos, não por acreditarem que eles têm sentido para a vida, mas por medo das consequências, de cunho religioso, que podem sofrer em suas próprias vidas. Se não pelo amor, pela dor é um refrão comum nos ambientes religiosos, em diversas tradições de fé. Superar essa condição de que as pessoas precisem buscar o refúgio da religião, cujo sentido disso esteja centrado no medo que sentem, é um desafio a ser vencido pelas tradições religiosas. Em se tratando do cristianismo, parece haver um consenso de que o medo é empecilho para a realização da própria fé, que significa passo e salto no escuro, isto é, confiança.

Refletir, então, sobre este aparente dilema entre o medo, condição natural de todo ser vivo, e a fé é tarefa importante. Algum medo sempre haveremos de ter. A sabedoria reside no fato de, a partir da fé, aprender a viver com coragem. Impossível não recordar que é isso o que o sábio Riobaldo, protagonista de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, tem a nos ensinar: o que a vida quer de nós é coragem!

Perspectivas

No primeiro artigo, O medo e a fé, três chaves de interpretação, Ramón Eduardo Lara Mogollón faz uma leitura das inter-relações entre estas duas dimensões presentes no ser humano: o medo e a fé. Recuperando algumas passagens bíblicas que tocam na temática do medo, o autor faz uma análise no comportamento humano referente ao medo, segundo o que transparece no Antigo Testamento e o que se dá no Novo Testamento, a partir da pessoa de Jesus. Diante dos ensinamentos do Mestre da Galileia, somos convidados a superar o medo, como realidade que nos afasta de Deus, vivendo com coragem.

Ampliando a reflexão a respeito do medo e da fé, temos o artigo O medo (as mudanças) e a fé, de Javier Celedón Meneghello, que toca em nossa problemática, a partir de uma chave eclesiológica. Resgatando o convite de Jesus para que seus discípulos e discípulas não tenham medo, o autor reflete sobre uma das realidades que mais impõem medo, não apenas na vida cotidiana de homens e mulheres, mas também no que diz respeito às instituições, em especial a instituição eclesial: as mudanças, tão importantes, sobretudo nestes tempos de transformações, nos quais estamos vivendo.

Concluindo nossa matéria especial, Vitor Júnio Félix Fernandes nos propõe o artigo: Madonna, Heidegger e o medo de ser nas igrejas. Articulando uma original aproximação entre a arte proposta pela cantora pop Madonna e o filósofo Heidegger, o autor aborda nossa temática do medo, refletindo-a a partir da dimensão da ameaça e do estranhamento. Por causa desse medo, provocado pela estranheza e pela ameaça que o desconhecido nos provoca, muitos seguimentos sociais acabam por viverem marginalizados pelas instituições religiosas, entre as quais as cristãs. Para esses segmentos, a fé, ao contrário de propiciar um caminho de libertação para o ser, acabam por provocar a paralisia e o impedimento para a realização de suas vidas, de um ponto de vista verdadeiramente humano. Com Madonna e Heidegger, mostra-nos o artigo, o medo pode nos lançar à vida, desde que não nos furtemos a refletir sobre ele, abrindo-nos à possibilidade de superá-lo.

Boa leitura!

*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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