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Não adiante dizer que é entrevista ou jornalismo só porque é "baseado em fatos reais".
Não adiante dizer que é entrevista ou jornalismo só porque é "baseado em fatos reais". (Reprodução / Globo)
Por Alexis Parrot*
Setembro trouxe para o telespectador britânico uma interessante novidade. Trata-se de Press, série em seis episódios da BBC que dá conta do dia a dia de dois jornais rivais no competitivo mundo dos tabloides londrinos. De um lado, o correto Herald; do outro, o sensacionalista The Post.
Ainda que bastante maniqueísta (jornalismo romântico versus fabricantes de factoides), a série ocupa lugar pertinente ao comentar criticamente o primado do fake news que vivemos em nosso tempo.
Espanta que tema tão instigante tenha protagonizado tão pouco espaço na teledramaturgia brasileira. De todas as minguadas exceções, indiscutivelmente, a melhor foi a global Plantão de Polícia - os bastidores de um jornal carioca no final dos anos 70 com seus repórteres policiais, liderados pelo incansável Valdomiro Pena de Hugo Carvana - sempre em atrito com o mais empresário que editor vivido por Marcos Paulo. Mas eram outros tempos - e outra Rede Globo.
Em Press, o ator Ben Chaplin vive um dos melhores momentos da carreira ao encarnar o editor do Post, Duncan Allen. Criatura complexa, é cínico por uma questão de escolha, mas amoral por natureza. Quase um sociopata, pode também beirar a ingenuidade - por de fato não compreender como funcionam as convenções que ditam as relações sociais.
Ao publicar matéria sobre a morte de um jovem e popular jogador de futebol (levado ao suicídio por não aceitar que sua homossexualidade fosse revelada), Allen se espanta e comenta, intrigado: "Por que ele simplesmente não saiu do armário?"
Para aumentar a vendagem de seu jornal, vale enganar, mentir e falsear; uma meia verdade é prato cheio para virar a manchete de capa da próxima edição. A ética peculiar do personagem é justificada pelo paradigma que o próprio diz professar, que não trabalha com notícia - e sim com entretenimento.
É justamente essa a crise que assola o telejornalismo brasileiro, um desvio de rota que vem acontecendo já há algum tempo: entretenimento travestido de informação. Programas do tipo Balanço Geral que o digam.
Mas pode-se juntar ao rol a presença dos comentaristas no Jornal da Cultura, Marco Antonio Villa na linha de frente. Sempre tendencioso e destilando ódio assumido pela esquerda, já deixou de ser historiador há muito tempo para assumir a persona daqueles dois velhinhos rabugentos dos Muppets. De seu camarote e com a língua afiada, são capazes de falar mal de tudo e todos (a encarnação viva da maledicência).
Ou, o exemplo mais gritante, as entrevistas com alguns dos candidatos à presidência levadas ao ar recentemente pelo Jornal Nacional.
Toda a imprensa, sem exceção - os grandes conglomerados de mídia e o jornalismo independente - criticou a maneira como William Bonner e Renata Vasconcellos conduziram os encontros com Ciro, Bolsonaro, Alckmim, Marina e Haddad. (O critério definidor para a linha de corte nunca foi anunciado. Por que não todos os treze candidatos?)
O que foi chamado de entrevista mostrou-se na prática uma arena de guerra, com os dois apresentadores pulando no pescoço dos convidados e com perguntas que nunca miravam a informação do telespectador e sim a jugular dos candidatos.
Renata Vasconcellos tirava e botava os óculos (desde quando ela usa óculos no ar?) para ler uma papelada sem fim à sua frente na bancada; como se óculos e papéis lhe conferissem alguma autoridade ou superioridade intelectual.
Claramente nervosa, a cada novo ataque, o que buscava mesmo era a aprovação do Bonner. Eu não sei e você também não sabe o verdadeiro motivo que fez Patricia Poeta deixar o telejornal e amargar uma geladeira na emissora - mas Renata sabe e é sempre bom agradar o chefe.
Célebre também tornou-se a capacidade de Bonner de interromper os entrevistados, fartamente comentada e criticada. Todos sofreram com a tática de guerrilha empregada pelo âncora mas, não por acaso - e de acordo com o já esperado - Haddad foi o mais interrompido. Nada de novo sob o sol.
A malícia do esquema foi fazer com que todos (entrevistados e público) acreditassem que se tratava mesmo de uma entrevista. Ora, se foi anunciado como entrevista e se está sendo realizado dentro de um telejornal, só pode mesmo ser uma entrevista. Mas a equação não é tão simples assim.
As melhores entrevistas são aquelas em que o repórter tem a capacidade de fazer com que tudo se desenvolva como uma conversa e não como um questionário. O extremo oposto é mínimo exigido: que o entrevistado, pelo menos, possa responder ao que foi perguntado. E se ao entrevistador não interessa o que o convidado tem a dizer, para que convidar o sujeito?
A resposta para o enigma dessas autoproclamadas entrevistas do Jornal Nacional é uma só. Não eram entrevistas e nem jornalismo, mas sim puro entretenimento a serviço de uma agenda política - o que torna tudo mais safado ainda.
E não adianta dizer que é entrevista ou jornalismo só porque é "baseado em fatos reais".
No final, é isso o Jornal Nacional: um programa de televisão com cara e formato de telejornal mas que não passa de um reality show.
Entretenimento por entretenimento, A Fazenda é mais autêntica.
*Alexis Parrot é diretor de TV e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o DOM TOTAL.
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