segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Tietes não precisam de intermediários

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A perda de foco entre quem e o que é a notícia que fez nosso moribundo jornalismo confundir todas as bolas.
Desemboca nessa lamentável percepção que tem os Bonners e Glorias Marias da vida que se acreditam tão importantes quanto os seus entrevistados.
Desemboca nessa lamentável percepção que tem os Bonners e Glorias Marias da vida que se acreditam tão importantes quanto os seus entrevistados. (Reprodução)
Por Ricardo Soares*

Outro dia, a propósito do debate acerca dos entrevistadores sofríveis que estão na bancada do “Jornal Nacional”  disse que eles são , talvez, dos mais reluzentes espécimes desse tal "shownarlismo" onde pseudojornalistas julgam-se celebridades. Esse lamentável "fenômeno" eu já intuía ser um modelo que iria triunfar no fim dos anos 80 , começo dos 90, quando vi vários "coleguinhas" pedindo autógrafos a entrevistados. A postura denotava uma certa "invejinha" dos famosos. E assim uma porção de gente entrou no jornalismo mas deveria ter migrado para a dramaturgia. Queriam no fundo ser atores ou atrizes, estar sob os holofotes .

Sem presunção declaro que nunca tive ídolos. Tive pessoas a quem admiro e admirei profundamente seja na política, nas artes, nas ciências humanas e exatas. Por sorte é uma lista grande o que me faz manter, ainda, minha esperança na humanidade. Mas nunca, no exercício ou não da profissão,  eu pediria autógrafos a eles e nem mesmo faria as hoje abomináveis “selfies”. Em primeiro lugar porque não tenho e nem quero sugerir intimidade com essas personalidades e em segundo para me dar ao respeito porque estando  diante delas estou pra retratá-las, questiona-las , tentar passar ao leitor (ou espectador) o retrato mais próximo daquilo que elas são.

Se me perguntarem se me arrependo de não ter fotos ao lado de  Chico Buarque, Gilberto Gil, Jorge Luis Borges , Leonardo Boff, Juan Rulfo, Nelson Pereira dos Santos, Raul Seixas, Plinio Marcos, Rubem Braga, Fernando Sabino , Jorge Amado e outros tantos célebres a quem encontrei e entrevistei eu diria que não me arrependo. Guardo  melhor registro de memória desses encontros do que se aparecesse com sorriso amarelo ao lado deles. As fotos com os  célebres seria pra que além de engordar meu  próprio ego ?  Mesmo fotos que tenho ao lado de Caetano Veloso, Gabriel Garcia Marquez , Ariano Suassuna e outros “bons” foram incidentais, feitas por amigos ou fotógrafos queridos sem que eu pedisse.

Se assim declaro é para parecer bacana, espartano, um “simplão”? Não, apenas pra dizer que foi justamente  a perda de foco entre quem e o que é  a notícia que fez nosso moribundo jornalismo confundir todas as bolas. Desemboca nessa lamentável percepção que tem os Bonners e Glorias Marias da vida que se acreditam tão importantes quanto os seus entrevistados. Prestariam enorme serviços se recolhessem as plumas dos seus egos e virassem apenas instrumentos de contato entre os  que são noticia e os que consomem notícia. Porque se esse papel  de intermediário não for restabelecido numa era onde todo mundo fotografa e redige para que diabos serve mesmo o jornalismo? Pra fazer tietagem ninguém precisa  de intermediários.

*Ricardo Soares é diretor de tv, jornalista, escritor e roteirista. Publicou 8 livros, dirigiu 12 documentários.

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