sábado, 13 de outubro de 2018

Para o jornal francês Le Monde, com Bolsonaro "a democracia está ameaçada".

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'Trump tropical': a ultra direita europeia festeja o resultado eleitoral do Brasil
Para o jornal francês Le Monde, com Bolsonaro "a democracia está ameaçada".
A grande eleição do misógino racista Bolsonaro no Brasil trouxe 'ar-fresco' à ultra-direita europeia, segundo explicou um dos seus máximos expoentes, o italiano Matteo Salvini.
A grande eleição do misógino racista Bolsonaro no Brasil trouxe 'ar-fresco' à ultra-direita europeia, segundo explicou um dos seus máximos expoentes, o italiano Matteo Salvini. (Reuters)
Por Eduardo Febbro

O ódio é um investimento seguro. A figura do fascismo e da grosseria globalizada envolta no restaurado populismo marrom está perto de sua reconfiguração final com uma ramificação na América Latina, especificamente, no Brasil: Europa tinha solidamente constituída com o ex-Frente Nacional francês de Marine Le Pen (hoje Reagrupamento Nacional), com a Liga Italiana (no poder), o Partido da Liberdade na Áustria (FPÖ, no poder), os delirantes do Brexit na Grã-Bretanha, o AFD na Alemanha (entrou no Parlamento em 2017), os Democratas da Suécia (terceiros nas últimas eleições com mais de 18% dos votos), Vox na Espanha, o Partido pela Liberdade na Holanda (PVV) ou Viktor Orban na Hungria. O autoritarismo vulgar também havia chegado em 2016 ao Sudeste Asiático, ou seja, às Filipinas, depois da eleição do presidente Rodrigo Duterte. Depois, com a vitória eleitoral do presidente norte-americano Donald Trump a expansão da xenofobia conseguiu seu êxito mais rotundo. Faltava o impensável para ampliar o sonho político mais ambicioso de quem foi o conselheiro mais eficaz da campanha eleitoral de Donald Trump, Steve Bannon: o surgimento de um polo de extrema-direita à escala mundial e incrustado no coração do poder. Isso pode ocorrer se o candidato Jair Bolsonaro ganhar o segundo turno das eleições presidenciais brasileiras.

Na Europa, onde nasceu esse fascismo moderno, o resultado brasileiro mesclou a indignação com a surpresa e claras demonstrações de esquecimento: esse populismo sujo que agora desperta tantas reprovações e lições de moral ressurgiu no Velho Mundo, morreu no Velho Mundo e renasceu, a partir dos anos 1980, quando o fundador da Frente Nacional francesa, Jean-Marie Le Pen e com o novo porta-bandeira dessa corrente na Europa, Matteo Salvini. Ambos forjaram uma aliança soberanista cujo propósito consiste, segundo explicaram, em “salvar a Europa”. De quê? Le Pen e Salvini colocaram como inimigo a Comissão de Bruxelas, ou seja, sempre segundo suas narrativas, a Europa burocrática que está contra os povos e, desde já, a imigração, a qual definiram como os “novos escravos para as indústrias europeias”. Matteo Salvini evocou nessa reunião com Le Pen o que aconteceu no Brasil. O chefe da ultradireita celebrou “o ar fresco” e o “retorno do sentido comum”.

Talvez o comentário mais contundente sobre o terremoto eleitoral brasileiro tenha publicado o vespertino francês Le Monde. Em um editorial de sua edição de 09 de outubro, Le Monde estima que com Bolsonaro no poder “a democracia está ameaçada”. O vespertino reconhece, não obstante, que a “onda reacionária que barra a maior democracia da América Latina, liderada por um ex-militar com discurso incendiário que cultiva a lembrança fantasmagórica da ditadura, pese as suas características locais, não carece de laços com os êxitos dos candidatos ‘anti-sistema’ na Europa ou nos Estados Unidos. Porém essa síntese não deve esconder o que está em jogo no fundo dessa eleição brasileira: se trata pura e simplesmente da sobrevivência do regime democrático em um continente onde sua fragilidade é histórica”. O matutino Libération tem poucas dúvidas sobre o próximo êxito de Bolsonaro, o qual, escreve, “tem uma avenida adiante”.

Praticamente toda a imprensa europeia vê o chamado “Trump Tropical” como um retorno “da ditadura ao Brasil” (The Guardian). O matutino conservador Le Figaro opina que é todo o Brasil que “é prisioneiro da tentação autoritária”. The Financial Times destaco curioso paradoxo de um candidato “cujas declarações misóginas não o impediram de obter excelentes resultados, melhores que os de seus rivais, entre o eleitorado feminino”. De onde olham, os europeus começam a aceitas que seus próximos destinos políticos sejam massivamente controlados por tendências autoritárias. Desde as margens, a vitória de Bolsonaro no primeiro turno parece lhes confirmar, muito mais que o Brexit ou Donald Trump, que o formigueiro do populismo marrom não é um acidente pontual, mas sim uma tendência muito marcada que já ameaça todas as democracias do planeta. Eles a inventaram. E agora voltam às suas raízes, e mais além.


Página/12, 10-10-2018.

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