quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Fratoun: 'O reggae é uma música de luta espiritual'




O reggae jamaicano se torna patrimônio cultural intangível da Unesco.


Marcia Griffiths na frente de uma imagem de Bob Marley com quem ela já cantou.
Marcia Griffiths na frente de uma imagem de Bob Marley com quem ela já cantou. (Gilbert Bellamy/Reuters)
Por Gauthier Vaillant
O reggae jamaicano popularizado por Bob Marley fez sua estreia na quinta-feira pasada, 29 de novembro, como patrimônio cultural intangível da Unesco. Entrevista a François-Joseph Ambroselli, conhecido como "Fratoun", cantor do grupo de reggae cristão "Les Guetteurs".
La Croix: Como você reagiu quando soube da entrada do reggae jamaicano no patrimônio cultural imaterial da Unesco?
Fratoun: Isso me deixou muito feliz e, ao mesmo tempo, me fez sorrir um pouco. A herança da Unesco, parece muito "elegante" para o reggae, que é uma música de resistência que convida a se livrar de todas as correntes oficiais! Mas ainda mostra que o reggae atinge todo mundo.
La Croix: Como você descreveria em poucas palavras esse gênero musical?
Fratoun: Bob Marley disse: "Enquanto houver pessoas pobres, o reggae será ouvido". O reggae pertence aos humildes de coração. É uma música de resistência, é a música de quem procura. É uma música de luta espiritual. Eu sempre me senti assim, mesmo que algumas pessoas digam que é música de protesto. O que me toca do reggae é essa dimensão espiritual, muito bíblica, muito "Antigo Testamento". Fala da pequenez do homem confrontado com a grandeza de Deus e da confia nele. Nos textos de Bob Marley ou Peter Tosh, encontramos constantemente essa ideia de dizer "meu Deus, precisamos de você".
La Croix: Mas o Deus de Bob Marley não é exatamente o Deus dos cristãos...
Fratoun: Absolutamente, e além disso eu não faço confusão entre os dois. Eu sou cristão, não faço parte de nenhuma forma de sincretismo. Mas há elementos comuns nas atitudes, nessa ideia de guerra espiritual e dessa maneira de apelar para Deus. A liberdade e a humildade com que os grandes nomes do reggae falam sobre sua fé me afetam e podem, penso eu, inspirar muitos cristãos.
La Croix: Será que essa dimensão "espiritual" do reggae depende apenas de sua cultura original e da personalidade de suas grandes figuras, ou está ligada, segundo você, à própria música?
Fratoun: Eu acho que há algo na música. Nos ritmos inusitados, o jogo "one drop" (padrão de ritmo de bateria que dá ao reggae sua influência característica), tem um efeito muito inebriante. Dá a impressão de que vamos sair de nós mesmos, que a música vai parar para finalmente voltarmos, mas ainda estamos lá. Peter Tosh disse que o "skank", aquele acorde que a guitarra tocou acidentalmente, é como o facão com o qual se faz um caminho na selva... É uma música muito encarnada, que aparece facilmente - que às vezes é desprezada por alguns músicos - mas muito sutil na realidade, e isso requer muita concentração para tocá-la.

La Croix International - Tradução: Ramón Lara

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