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O diabo vence quando os cristãos não se movem pelo amor.
Fantasia de diabo do desfile da Gaviões da Fiel. (Renato Rosa/ Facebook Grêmio Gaviões da Fiel Torcida)
Por Felipe Magalhães Francisco*
Aprecio muitíssimo o carnaval, como festa popular e de subversão da lógica perversa do mundo. Não costumo acompanhar, por pura questão de gosto, os tradicionais desfiles da Escolas de Samba, mas acabo por acompanhar os desdobramentos dos desfiles, tanto por matérias que repercutem, quanto por amigos e amigas que acompanham com entusiasmo e emoção, tanto os desfiles quanto a apuração. O carnaval é divisor de águas na vida de muita gente; muitas vezes, a preparação para o carnaval é vivida como uma vivência religiosa, com seus ritos tão próprios. Aprendi a respeitar, de modo bastante sensível, a isso tudo.
Enquanto há os que vivem o carnaval como Política, como é o caso do cada vez maior carnaval de Belo Horizonte, e os desfiles de algumas das maiores Escolas de Samba do país, há aqueles que preenchem seu tempo fiscalizando o grande evento, para implicar e condenar. É mais que óbvio – se isso for possível – que é muito fácil encontrar exageros na maior festa popular do país! Mas vivemos em tempos de tão absoluta estupidez, que pegam aquilo que não é exagero, para criar polêmicas. Mas quem vence é o símbolo, sempre!
Falo, aqui, da cena do diabo a vencer o Cristo, no desfile da Gaviões da Fiel. O símbolo dá o que pensar, disse Paul Ricoeur, um dos mais importantes filósofos do século passado. E, de fato, dá: o assunto ganhou as redes, e o absurdamento de alguns, trouxe-nos a boa oportunidade de reflexão. Não é preciso repetir o que um pastor teólogo escreveu, em resposta à polêmica levantada pelos religiosos mais estridentes e sensíveis, pois o texto viralizou. O diabo venceu e está vencendo! A surra está sendo cotidiana. Se João estivesse escrevendo o Apocalipse, exatamente agora, no Brasil, ele escreveria sobre a Besta no poder, exatamente igual escreveu há praticamente dois milênios.
O motor do cristianismo é o amor. Se os cristãos e cristãs não se movem por ele, logo, o diabo está a vencer. E não é difícil perceber, todos os dias, cristãos e cristãs por profissão, vociferando o ódio e o desamor. O amor une, integra, humaniza. O diabo divide, provoca cisão: e não é o que estamos vivendo, quando imersos numa compreensão tão nefasta que alçou ao cargo político mais importante do país, por força de religiosos do cristianismo, um símbolo inteiro do que há de pior na (des)humanidade?
E, por falar nele, a segunda grande polêmica do carnaval, foi a publicação de um vídeo pornográfico em sua conta no Twitter: uma total falta de decoro, para com o cargo que ocupa. O assunto ganhou o rechaço em todo o mundo. A postura, nada inocente do Presidente da República, revela uma obsessão. Bendito inconsciente! Por causa do vídeo, uma palavra eminentemente teológica ganhou as redes e a imprensa: escatologia. Ela diz respeito às coisas últimas. O uso do termo, para falar do que acontece no vídeo, faz sentido: a filmagem reproduz uma prática sexual fetichista, que envolve uma pessoa urinar na outra; a urina, como aquilo que é eliminado pelo organismo, é escatológica.
A escatologia, se diz respeito às coisas últimas, também nos faz pensar no fim do mundo. Esse mundo, que aqui reclamo à reflexão, é o mundo simbólico que construímos: o mundo de sentido, no qual fazemos nossa vida, a partir do que da realidade compreendemos. Minha avó materna vivia dizendo que vivemos o fim do mundo. De alguma maneira, ela tinha razão: de fato, esse mundo simbólico e de sentido está em constante mudança e transformação; chega ao fim, para dar lugar a novas compreensões e novas visões a respeito da realidade. Vivemos o fim do mundo da utopia: imersos na distopia, estamos numa constante crise de sentido, nesse tempo em que alguns costumam chamar de pós-moderno.
Vemos crescer, absurdamente, um reacionarismo que nos lança no poço da desumanidade. Nessa escatologia, o diabo está sim a vencer o Cristo. Enquanto, na busca por uma segurança inexistente, apregoa-se uma volta irracional a um passado inconforme com os nossos tempos, retrocedemos humanamente em muitos valores e direitos que muitas pessoas deram o sangue, literalmente, para que as sociedades alcançassem. O Brasil tem encarnado, de modo estarrecedor, esse espírito próprio do tempo, trazendo absurdamento e espanto, mesmo entre os mais conservadores e reacionários do mundo. A Gaviões da Fiel tem razão: a vitória tem sido do diabo, que nos desintegra, que quebra e divide o que há de humano em nós.
Para os cristãos e cristãs católicos, este tempo que precede a Páscoa, a Quaresma, é tempo de conversão e chamamento a um retorno ao Evangelho de Jesus Cristo, uma verdadeira Boa-Nova para o mundo. A CNBB, todos os anos, nesse tempo quaresmal, propõe a Campanha da Fraternidade, que este ano reflete a respeito das Políticas Públicas, lido na óptica da Fraternidade, tão em risco nos últimos anos e com tendência a uma piora radical. A proposta da Reforma da Previdência, que é um verdadeiro desmanche nos direitos dos cidadãos e cidadãs, sobretudo dos empobrecidos que mais necessitam para sobreviver, está aí. Eis uma boa oportunidade para assumirmos, com nossas próprias mãos e vozes, os rumos da escatologia que queremos: a criação de um mundo novo possível, no qual o diabo não tenha possibilidade nenhuma de nos vencer!
*Felipe Magalhães Francisco é teólogo. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). E-mail: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.
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