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A insistência de Francisco nessas heresias visa 'desmascarar as tendências autorreferenciais' presentes na Igreja, disse o teólogo. (Vincenzo PINTO / AFP)
Escrito por Claire Giangravé*
Duas antigas heresias, que o papa Francisco apontou como “inimigas da santidade”, estiveram no centro de uma conferência romana que tentou explicar a “teologia invertida” do pontífice argentino.
"O papa Francisco pratica uma tradução da tradição", disse o teólogo italiano Andrea Grillo, que leciona na Pontifícia Academia de Santo Anselmo, em Roma. "Ele move o inimigo de fora para dentro".
Suas observações ocorreram durante conferência intitulada "Dois Inimigos da Santidade: o Pelagianismo e o Gnosticismo", ocorrida na Pontifícia Universidade Gregoriana, administrada pelos jesuítas, em Roma.
Grillo estava se referindo ao pelagianismo e ao gnosticismo, duas heresias de 1500 anos que Francisco vê refletidas na Igreja Católica atualmente. O pontífice condenou essas “heresias modernas” em sua exortação apostólica de 2013, Evangelii Gaudium, e novamente em 2018, com Gaudete et Exsultate.
Segundo o teólogo, há uma diferença clara entre a descrição do papa dessas crenças nesses documentos e a visão apresentada em Placuit Deo, ou Agradando a Deus, uma carta de quatro páginas escrita pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano e publicada em 1 de março de 2018.
“A tentação do pelagianismo”, disse Grillo, “pode ser encontrada no controle estrutural das crenças abstratas”.
Como Francisco colocou em Gaudete et Exsultate, o pelagianista moderno é uma “peça de museu”, que atribui excessiva importância a estilos, normas e aparências e, portanto, corre o risco de ser “fossilizado” ou mesmo “corrompido”.
O gnosticismo, ao contrário, leva a confiar em seu próprio raciocínio e inteligência para alcançar a salvação e, portanto, torna-se retrógrado e, nas palavras de Grillo, "é incapaz de transcendência".
A insistência de Francisco nessas heresias visa “desmascarar as tendências autorreferenciais” presentes na Igreja, disse o teólogo. Tudo isso está perdido no Placuit Deo, prosseguiu Grillo, que “deu um passo para trás” e “perdeu completamente o contexto”.
No documento emitido pela CDF, o neo-pelagianismo e o neo-gnosticismo “são declinados nas relações não com a Igreja, mas com o mundo. Como se a Igreja estivesse livre da tentação e seu trabalho fosse destacar as tentações para o mundo”.
De acordo com o teólogo, a carta está cheia de “Cripto-gnosticismo e cripto-pelagianismo”, na medida em que foi sugerido que o nome do documento fosse mudado de Placuit Deo para Placuisset Romanae Curiae, ou “Agradável à Cúria Romana”.
Grillo disse que a visão de Francisco sobre a tradição encontra-se revirada e, portanto, leva a uma "tradução da tradição", representada pelas duas antigas heresias, e "move o inimigo de fora para dentro".
“Não são os outros que caem no pelagianismo e no gnosticismo, somos nós”, enfatizou Grillo, “Não é uma crítica em relação ao exterior, mas uma autocrítica da Igreja”.
Essas heresias, continuou o professor, podem ser encontradas naqueles que, dentro da Igreja, resistem à modernidade, se envolvendo em crenças que muitas vezes confundem a tradição eclesial com a herança feudal, as estruturas patriarcais e a antiga burocracia romana.
Os escritos de Francisco, disse Grillo, parecem apontar para uma maneira diferente que desafia o entendimento da Igreja sobre fé e teologia. Ele destacou quatro pontos em que o pelagianismo e o gnosticismo paralisam a Igreja:
1. “Tradução incompreensível”, é o termo usado por Grillo para descrever o apego ao latim antigo dentro da Igreja Católica, apesar da nova onda de modernização introduzida pelo Concílio Vaticano II.
2. “Liturgia mumificada”, ele disse, defende a “humilhação da verdadeira tradição cristã”.
3. “Mulher desordenada” foi usada para descrever a falta de argumentos reais e sólidos da Igreja para negar às mulheres papéis de liderança de poder e autoridade dentro da Igreja.
4. “Niilismo canônico”, de acordo com Grillo, é óbvio no ramo canônico e judicial do Vaticano, que está lutando para encontrar respostas oportunas para as mudanças atuais que afetam as pessoas e especialmente a família.
Citando o Papa João XXIII, que inaugurou o Vaticano II, Grillo convocou uma Igreja “que tem a coragem de realmente ouvir os sinais dos tempos”.
“O pelagianismo e o gnosticismo, estas duas palavras tiradas da tradição antiga, voltam ao papa Francisco como dois critérios para interpretar os desafios que a Igreja está enfrentando no mundo moderno”, concluiu o teólogo, “e anunciam uma igreja que está disposta a expor para o mundo”.
Crux / Tradução: Ramón Lara
*Claire Giangravè é repórter e assistente editorial da Crux, cobrindo todas as matérias católicas e com um interesse especial nas relações diplomáticas e estrangeiras do Vaticano
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