terça-feira, 7 de maio de 2019

O presidente e o patrão

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O que deveria ter sido uma entrevista acabou mais parecendo um quadro do antigo programa dos Trapalhões.
O ponto alto do bate-papo foi quando o patrão comentou a defesa que Bolsonaro faz do cidadão comum poder se armar.
O ponto alto do bate-papo foi quando o patrão comentou a defesa que Bolsonaro faz do cidadão comum poder se armar. (Alan Santos/PR)
Por Alexis Parrot*

Se a boa entrevista é sempre uma conversa guiada, a grande entrevista é aquela em que podemos sentir que houve um encontro entre entrevistador e entrevistado. As revelações que podem vir daí são das mais memoráveis e, como público, nos sentimos mais informados e mais preparados para o mundo e para a vida ao final da experiência. 

Quando Silvio Santos recebeu Bolsonaro no último domingo em seu programa, nada disso aconteceu.

O que assistimos não passou de uma troca de gracejos abilolados entre os dois personagens. Fora isso, apenas a óbvia tentativa de o presidente propagandear projetos de seu governo, enquanto tentava ler por cima do ombro do apresentador a pauta com as perguntas preparadas pela produção do show.

Já na largada, o capitão confidenciou ter sempre admirado Sergio Mallandro (!) e "seu espírito bastante alegre". Sem nenhum constrangimento, imitou os bordões histéricos do humorista, como já havia feito durante a campanha eleitoral.

Os generais que o cercam poderiam lembrá-lo da máxima futebolística cunhada pelo craque Didi, campeão brasileiro em duas Copas do Mundo: "Treino é treino e jogo é jogo". O cargo exige alguma compostura e o que vale na campanha nem sempre cai bem para o presidente.

(Outro item que não cai bem em Bolsonaro são seus ternos. A gola armada de seus paletós esmirrados dão a ele uma aparência de tartaruga, esticando o pescoço para fora do casco. Não estou defendendo que ele contrate um consultor de moda ou um alfaiate para produzir roupas sob medida; um número maior já resolveria o problema. Só acho triste quando a pessoa não tem nem um amigo que lhe dê esse toque.)

O que deveria ter sido uma entrevista acabou mais parecendo um quadro do antigo programa de outro Didi, o Mocó dos Trapalhões. Silvio, mais uma vez, garantiu a fama de sincerão inconveniente. Jogou para o alto o breve roteiro de perguntas e - como sempre - disse o que bem quis, sem filtros e sem nenhuma noção.

O primarismo das perguntas e o desconhecimento generalizado de todos os assuntos tratados pelo apresentador foi de dar medo, ainda mais porque vindas de um homem que já tentou ser presidente.

Além de não se lembrar com quem Bolsonaro competiu na eleição, afirmou que foi uma surpresa ele ter saído vitorioso porque, afinal, ninguém o conhecia: foi sorte. Falaram sobre a infame facada recebida em Juiz de Fora e sobre a bolsa de colostomia usada durante a recuperação. Para Silvio, a tal "bolsinha deve ser muito incômoda e muito mal-cheirosa".

O ponto alto do bate-papo foi quando o patrão comentou a defesa que Bolsonaro faz do cidadão comum poder se armar: "Esse negócio de arma de fogo não pode aprovar. Já imaginou? Vai virar um faroeste!" Se ele fica sabendo que o homem andou prometendo uma lei para ruralistas poderem matar à vontade quem invadir suas propriedades, vai ter certeza que já vivemos no velho oeste.

No mais, o de sempre: Bolsonaro defendeu com generalidades o novo modelo de Previdência proposto por Paulo Guedes. Teve a coragem de afirmar que a reforma é para "ajudar os pobres, exatamente o contrário que alguns políticos de esquerda vêm falando, porque o pobre não tem lobby". E continua sem ter, pelo visto.

Quem acompanha a crônica política já percebeu que nem o próprio Bolsonaro está confortável com a reforma da maneira como está sendo desenhada. Vai contra, inclusive, algumas convicções defendidas no passado, quando ele mesmo criticava a tentativa do governo Temer de aumentar a idade mínima de aposentadoria para 65 anos.

E se admitiu publicamente que errou ao condenar a proposta da equipe de Temer, isso só reforça a tese de que é um presidente de pouca estatura. Só manda mesmo quando é para tirar um comercial do ar.   

Em nome do turismo, prometeu revisar a demarcação de estações ecológicas Brasil afora, a começar pela Baía de Angra, no litoral fluminense. Não por acaso, é ali que ele mantém uma casa de veraneio.

O plano genial é incentivar a construção de hotéis nas ilhas e, a partir daí, que a preservação ambiental passe a ser de responsabilidade da iniciativa privada.     

Novamente, voltou à história de aumentar o limite de pontos para a perda da CNH (para ele, "20 pontos, você perde com muita facilidade") e de diminuir radares em estradas federais para defender "o prazer em dirigir" do povo brasileiro. Da forma como vê a questão, o aparato só serve para "emboscar" o cidadão e não é efetivo para diminuir acidentes.

O discurso rastaquera e equivocado camufla a ojeriza que sente por multas - como a que recebeu em 2012 (e nunca pagou) por pescar, justamente, na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra. Quem pagou o pato foi o fiscal do Ibama que registrou o flagrante: foi exonerado do cargo de chefia que ocupava no órgão desde maio do ano passado.

Silvio atirou a esmo e acertou no que não viu. Com as respostas obtidas de suas perguntas malucas, pelo menos, conseguiu determinar um padrão para o comportamento de seu convidado. A agenda política do presidente é construída em cima daquilo que o incomoda pessoalmente e de perigosos achismos.

Quanto mais Bolsonaro fala, mais fica evidente seu provincianismo. Suas preocupações são as de um vereador de cidadezinha do interior, sempre se justificando perante o eleitorado municipal. No tom do discurso, nada de propriedade ou desenvoltura. Apenas uma seriedade artificial esculpida no cenho franzido, acompanhada daquele tipo de certeza absoluta que só mesmo a ignorância consegue produzir.

Ao final da conversa de meia hora, Silvio, já sem muito interesse, mas sabiamente, disse que assuntos sérios de governo não deveriam ser discutidos ali, mas em outros programas do SBT. Acertaram, então a participação do presidente no programa de Danilo Gentili, o The Noite.

Comicamente, entrevistador e entrevistado fecharam o assunto competindo para ver quem era o mais desinformado. Enquanto o patrão não conseguia se lembrar do nome de Gentili, o presidente elogiava o humorista, dizendo que é "excelente o programa, o The Night".

Ao declarar a excelência de Danilo Gentili e admiração por Serginho Mallandro, Bolsonaro só não decepciona porque, como disse o Barão de Itararé, "de onde menos se espera, daí é que não sai nada". 

*Alexis Parrot é diretor de TV, roteirista e jornalista. Escreve sobre televisão às terças-feiras para o 'Dom Total'.

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