sexta-feira, 10 de abril de 2020

Os papas e as pandemias

Foram várias as doenças contagiosas que marcaram a história mundial. Como a Igreja Católica se comportou diante das situações desafiadoras anteriores ao coronavírus?
Papa reza diante de crucifixo milagroso pedindo o fim do coranavírus, em março, no Vaticano
Papa reza diante de crucifixo milagroso pedindo o fim do coranavírus, em março, no Vaticano (Vincenzo Pinto/ AFP)
Mirticeli Medeiros*

O papa Francisco, em uma entrevista concedida ao jornalista inglês Austen Ivereigh, publicada na última quinta-feira (08), disse refletir sobre qual será o seu papel após essa pandemia. Mostrando-se preocupado com a atual situação, o pontífice expõe a sua “crise” por estar impedido de ter contato com as pessoas e fala das “responsabilidades que deverá assumir” quando tudo isso passar. “O povo de Deus precisa do seu pastor próximo a eles, não superprotegendo a si mesmo”, ressaltou.

É interessante porque o próprio papa tem a consciência que o impacto provocado pelo Covid-19 se refletirá em vários setores da sociedade e seus efeitos perdurarão por um longo tempo. Fazendo uma interpretação acurada de suas palavras, é como se o pontífice intuísse que a pandemia promoverá uma mudança de época do ponto de vista histórico, como aconteceu com a peste negra que dizimou um terço da população europeia no século 14. “O depois já está começando a ser revelado como trágico e doloroso, é por isso que nós precisamos pensar sobre isso já”, disse ele durante a entrevista. 

Alguns medievalistas heterodoxos, contrariando a delimitação do tempo feita pela historiografia oficial, chegam a defender que essa peste negra marcou o fim da idade média. Por causa das consequências religiosas, sociais e econômicas que a doença provocou, tais estudiosos chegam a falar de uma espécie de fase transitória ou “pré-moderna” inaugurada a partir do fim da doença bubônica.

A chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a afirmar que “o coronavírus é o maior desafio desde a segunda-guerra mundial”, pensando justamente ao futuro que nos aguarda. Porém, não trata-se de uma mera previsão apocalíptica, mas da constatação das “sequelas sociais” identificadas após a presença de uma “doença global”: algo que a história, como vimos, já comprovou. Francisco pensa em um “pós-coronavírus” desde já para estruturar o seu “hospital de campo”, que é a Igreja.

Do ponto de vista histórico, as obras caritativas da Igreja em alguns períodos de pandemia e miséria assumiram um papel imprescindível durante a fase e reconstrução da vida nos világios e cidades. É só pensar nos escritos de Alessandro Manzoni, que em sua famosa obra Promessi Sposi – um clássico da literatura italiana – cita a assistência aos pobres conduzida pelo cardeal Federico Borromeo durante a famosa peste de Milão (1630).

Os pontífices no período das pandemias mais conhecidas

Mas e os outros pontífices ao longo da história como se comportaram (ou se protegeram) diante da manifestação dessas doenças infecciosas ao longo da história?

Clemente VI – Durante o auge da pandemia da peste negra (1348), o papa francês Clemente VI estava à frente do trono de Pedro. Para se proteger, o pontífice refugiou-se em uma das salas do palácio papal de Avignon (França) – sendo ele o quarto papa a viver na cidade durante o período conhecido como “cativeiro de Avignon” (1309 e 1377). Apesar da rejeição coletiva aos judeus – acusados, pelos católicos, de serem os transmissores diretos da doença – esse pontífice, condenando tais acusações injustas, escreveu a bula Quamvis perfidiam Iudaeorum, na qual também exortava: “admoestai vossos súditos – povo e clero – para que não persigam, firam ou matem judeus”.

Papa Bento XV – Este papa ficou conhecido pela sua atuação durante a primeira guerra mundial, mas sua história acabou sendo sepultada pelas grandes potências bélicas por causa de seu posicionamento contrário ao conflito, classificado por ele como “um massacre inútil”. Durante a gripe espanhola (1918-1920), considerada uma das pandemias mais devastadoras de todos os tempos, esse papa, de origem italiana, reestruturou a Accademia dei Nuovi Licei, a atual Academia Pontifícia das Ciências para contribuir com o enfrentamento da crise.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras

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