Enquanto existirem limites ecológicos, será incompatível se pensar em grandes mercados de consumo. (Foto: Reuters) |
Marcus Eduardo de Oliveira
De forma inequívoca, a humanidade, vivendo além dos meios e ultrapassando limites, tem aprofundado sua trajetória de destruição das coisas da natureza.
Assim, o meio ambiente é “insultado” pelo sistema econômico no ato da produção, e absorve mais poluição e resíduos múltiplos no descarte dos materiais consumidos por 7 bilhões de consumidores.
Explorar o meio ambiente, degradando os ecossistemas, em nome de um sistema econômico que aumenta exponencialmente a produção de mercadorias a qualquer custo, arranha acentuadamente a qualidade de vida de todos.
É certo que a partir de um determinado ponto em que são saturadas as bases dos serviços ecossistêmicos, qualquer tentativa de se obter novas taxas de crescimento econômico torna-se totalmente inócua, gerando consideráveis passivos ambientais.
Ao se atingir esse ponto, crescer (produzir mais) deixa de ser saudável. Herman Daly, expoente mais proeminente da economia ecológica, chama isso de “crescimento deseconômico” (uneconomic growth).
Fato concreto é que continuar incentivando o crescimento exponencial ferindo com isso o capital natural é cair, por completo, na estupidez intelectual ao não reconhecer (ou desdenhar) as limitações da bioesfera.
Não por acaso, Kenneth Bouilding (1910-1993), a esse respeito, apropriadamente afirmou certa vez que “propor um crescimento ilimitado num mundo limitado, só pode ser coisa de um estúpido, ou de um economista”.
Para enriquecer o debate em torno desse assunto, vários conceitos já são amplamente debatidos e, aos poucos, vão ganhando maior abrangência: “crescimento zero” (zero growth), “crescimento deseconômico” (uneconomic growth), “decrescimento” (degrowth) e “Teoria do Umbral”, esse último de autoria do economista e ambientalista chileno Manfred Max-Neef, são exemplos disso.
O enfoque principal dessa questão está no seguinte fato: enquanto existirem limites ecológicos (e não há o menor indício que isso venha a deixar de existir num curto espaço de tempo, mesmo que o avanço tecnológico seja supremo e imponente) será incompatível se pensar em grandes mercados de consumo de massa, como tanto deseja a economia convencional.
O que não se pode perder de vista é que expandir o mercado de consumo implica, automaticamente, agredir o meio ambiente em trôca de uma produção sem limites, ferindo a natureza. Ora, a Terra não suporta excessos. Isso é uma verdade incontestável.
Assim como óleo e água não se misturam, uma expansão de mercadorias (crescimento físico da economia) fora dos padrões aceitáveis e toleráveis dados pela imposição ambiental, vinculado ao atendimento do chamado consumo conspícuo, não é - e nunca será - factível.
Essa sociedade de consumo de massa que a economia tradicional sempre recomendou como sendo um paradigma (espécie de dogma) da expansão econômica foi (e continua sendo) erigida sob o falso argumento de que é consumindo (comprando de tudo) em larga escala que o bem-estar (qualidade de vida) será facilmente alcançado.
Com isso, confunde-se facilmente crescimento com melhoria do padrão de vida; a aquisição material é, aqui, por esse prisma, vista como sinônimo de felicidade. Comprar é sinônimo de ser/estar feliz.
Esse “tipo” de pensamento, torpe em sua essência por não reconhecer os limites ecológicos, tem raizes próprias. Em mais de duzentos anos de história econômica nos fizeram acreditar que o mercado de consumo é o único local para se encontrar prosperidade e felicidade.
Quando a economia neoclássica entrou em cena, esse argumento foi enfaticamente reafirmado. Essa receita - comprar mais para ser feliz - ainda hoje se inscreve com força no imaginário coletivo.
Não é por outra razão que o homem moderno se sente “dominado” pela mercadoria, e se submete, desde então, às ordens do deus-mercado. Com isso, esse homem-moderno ajuda a inverter o papel preponderante das ciências econômicas: não é a economia que passa a servir ao homem, mas é o homem que passa a servir a economia.
Definitivamente, esse não é um tipo de economia saudável.
Um sistema econômico cujo valor principal de sua existência repousa sobre a aquisição material não pode ser sustentado ao longo do tempo. Insistir na permanência desse modelo é menosprezar o sentido mais puro daquilo que se chama “vida digna”.
O valor principal de uma ciência social, como é o caso da Economia que nasceu para afirmar positivamente a inserção das pessoas numa vida pautada pelas possibilidades de melhoria contínua, deve estar assentado nas relações sociais e numa harmoniosa convivência junto à causa ecológica; por isso, Economia e Ecologia devem estar sempre juntas.
Por isso deve haver interação entre a atividade econômica e o pensamento ambiental. Para tanto, faz-se necessário uma profunda mudança de valores, estabeleçendo, a priori, um diálogo aberto entre a Ecologia e a Economia, fincando raizes pacíficas nessa convivência e criando, a partir disso, um “novo modelo econômico”.
É necessário não perder de vista que a ascensão na vida não pode estar vinculada ao acúmulo de bens materiais, muito menos ao acesso ao dinheiro. É imperioso destacar que o alcance de bem-estar não deve ser buscado no crescimento físico da economia, mas, sim, na preservação de todos os serviços ecossistêmicos, até mesmo porque bem-estar não é quantidade, mas, sim, qualidade.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO, em São Paulo. prof.marcuseduardo@bol.com.br
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