segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Rock & Roll de carne e osso

Homenagem póstuma de Laurie Anderson ao marido Lou Reed, morto semana passada.


Laurie Anderson e Lou Reed em East Hampton, onde o artista viveu seus últimos dias. (Foto: Arquivo)
Por Marco Lacerda*

Lou Reed transformava a realidade que o rodeava através de canções. Suas letras são povoadas de personagens fictícios que em algum momento foram seres reais com os quais compartilhou suas experiências de vida. Seu olhar poéticos às vezes se assemelha aos de Nelson Algren, Hubert Selby Jr e outros escritores que o inspiraram. Graças a isso, as letras de rock foram invadidas por outros protagonistas, outras caras, outros tipos. 

Com o tempo, os anjos caídos da vida foram ficando cada vez mais parecidos conosco.  Na verdade, por mais extravagantes que fossem esses personagens, Lou Reed sempre escreveu sobre o ser humano e sua trajetória, talvez para nos ensinar que normal não existe e o quão estranhos somos todos e cada um de nós.

A dor da perda de Lou Reed na semana passada – sim, na semana passada, pois a dor, nesses tempos virtuais, não dura mais que uma semana – ocupou o espaço em toda a imprensa mundial, o que, quando nada, serviu para dar a dimensão do tamanho descomunal desse mito extraordinário que deixou para sempre suas impressões digitais gravadas na história do rock.

Príncipe e lutador

No último dia 31 de outubro, quem prestou uma homenagem a Lou Reed foi Laurie Anderson, sua esposa desde 2008. A artista publicou um obituário no jornal local norte-americano East Hampton Star. O periódico é de East Hampton, no Estado de Nova York, local onde ficava a casa de campo onde o artista passou os últimos dias de vida. Abaixo, a íntegra da carta de Laurie Anderson:

“Para nossos vizinhos:

Que lindo outono! Tudo brilhante e dourado, toda essa luz suave e incrível. Água à nossa volta.

Lou e eu passamos muito tempo aqui nos últimos anos, e apesar de sermos pessoas da cidade esse é o nosso lar espiritual.

Semana passada prometi a Lou que traria ele do hospital para Springs. E assim fizemos!

Lou era um mestre de tai chi e passou seus últimos dias feliz e deslumbrado com a beleza, o poder e a suavidade da natureza. Ele morreu no domingo de manhã olhando para as árvores e fazendo a famosa postura 21 do tai chi com apenas suas mãos de músico movimentando-se no ar.

Lou era um príncipe e um lutador e sei que suas músicas sobre a dor e a beleza no mundo ainda vão encher as pessoas com a alegria que ele sentia pela vida. Longa vida à beleza que atravessa e sobrevoa todos nós.

Laurie Anderson,

Sua amada esposa e eterna amiga”

Reed parecia indestrutível: um novaiorquino agressivo, disposto a defender o seu lado com unhas e dentes. Era uma fortaleza de ânimo que sempre lhe permitiu superar as adversidades da vida. Na adolescência suportou os eletro-choques a que foi submetido com autorização dos pais. Tornou-se conhecido através de The Velvet Underground, um grupo protegido por Andy Warhol que, apesar de sua repercussão mundial, apenas vendeu discos. E, fazendo as contas, somente duas de suas canções tiveram êxito universal: Walk on the wild side e Perfect day, ambas publicadas no disco Transformer produzido por seu maior fã,  David Bowie. O resto – a lenda em que Reed se transformou – vai para a conta de sua personalidade enigmática, seu carisma e genialidade única.
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Dom Total.

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