'Memórias de uma geração', de David Paiva, inaugura, neste sábado (12), o selo Moinhos, da Editora Quixote.
David Paiva: "atos amassados, misturados e chacoalhados durante décadas". (Foto: Divulgação) |
Por Carlos Alenquer*
Serviço
Lançamento de ‘Memórias dos abitantes de Paris’, de David Paiva, pela Coleção Moinhos; 312 páginas, R$ 42,00
Data: 14 de dezembro (sábado)
Horário: a partir das 10h
Local: Livraria e Editora Quixote
Endereço: Rua Fernandes Tourinho, 274 - Savassi
"Memórias dos abitantes de Paris" (a razão da falta do h no título você vai saber quando ler o livro), conta a história de um habitante do interior em fins da década de 50 que chega à Capital – quando a Avenida ainda tinha ficus em suas alamedas e era raro encontrar um belo-horizotino de origem em suas ruas.
O que, num primeiro instante, pode parecer a descrição de um interiorano saindo de sua aldeia, logo se transforma num depoimento sobre um período recente da história das cidades brasileiras: a rápida -- e aparentemente inesperada -- urbanização do país e as consequências na vida de adolescentes que enfrentavam a grande urbe naquele momento.
Alencar Perdigão, editor da Livraria e Editora Quixote, concorda que o nome da Coleção – Moinhos –, inaugurada com o livro de David Paiva, é um tanto autoexplicativo – e traga, talvez, até alguma dose de ironia. Criada a partir da colaboração com alguns amigos – que ele chama de editores associados –, o selo Moinhos procura entender uma verdade mais ou menos óbvia: os gigantes que o personagem de Cervantes enfrenta nasceram da imaginação do atormentado fidalgo – mas existem em sua realidade alucinada. Em sendo assim, nada mais pertinente que invocar o cavaleiro num selo que pretende reunir realidade e ficção em suas publicações.
"A linha editorial da Moinhos, distanciando-se dos títulos infanto-juvenis que marcaram a entrada da Quixote no mercado, tem compromisso com uma literatura mais adulta e mais livre", explica Alencar. E a epígrafe escolhida para acompanhar a marca Moinhos traduz a forma como os editores associados encaram o desafio:
"¿Qué gigantes? – dijo Sancho Panza".
Leia a entrevista:
José David Paiva – este o nome completo do autor – confessa que sua carreira de 35 anos como redator publicitário “foi maior do que devia”. Diretor de criação nas principais agências de Minas, redator da JMM no Rio, da DPZ em São Paulo, David Paiva talvez dê a impressão, para alguns, de que herdou da profissão a clareza de estilo – necessária a todo texto publicitário. No entanto, quando se sabe que ele estudou História na FafiCh da rua Carangola, teve dois contos premiados pela Câmara Mineira do Livro e é um leitor seletivo e apaixonado, logo essa impressão se desfaz, e fica a certeza de que seu talento, na verdade, não está nem um pouco ligado aos afazeres profissionais. Muito pelo contrário.
Comece dizendo sobre como nasceu a ideia do livro.
Não estou muito seguro de que o livro tenha nascido de uma ideia. É mais provável que tenha sido daquela mesma “percisão” que faz o sapo pular, segundo Guimarães Rosa. Eu enfrentava um pós-operatório muito chato e assim comecei – como remédio. Acabei achando interessante e sendo estimulado por pessoas muito próximas, como meus filhos.
Por que publicar seu livro por uma coleção nova, assumindo a responsabilidade de ser o pioneiro?
Pois a coleção agora passa a existir. Espero contribuir. A Moinhos é um selo da Quixote, que tem não só a tradição de excelente livraria, mas que já vem publicando há algum tempo como Quixote Editora, principalmente nas linhas infantil e infanto-juvenil. A Moinhos se propõe a ser um passo no amadurecimento da casa e fico muito honrado de estar abrindo essa porta.
O livro é mesmo de memórias ou tem algo de ficção?
O Marcílio Castro, um dos melhores ficcionistas da nova geração mineira, me disse que memórias e ficção não se distinguem muito. Pode ser. Fatos amassados, misturados e chacoalhados durante décadas podem não sair ilesos mesmo. Mas que tentei ser fiel a esses fatos e às pessoas que os animaram, isso eu tentei.
Em artigos para revista, em conversas com amigos, e agora até mesmo no livro, você demonstra uma certa birra com propaganda. No entanto, e isso não há como negar, você foi um publicitário de sucesso.
Um dos publicitários mais talentosos do meu tempo, o Enio Mainardi, pai do jornalista Diogo Mainardi, uma vez respondeu assim a essa mesma pergunta sobre cuspir no prato que comeu: “Não cuspi, eu vomitei no prato que comi”. Se você me permite citar um publicitário, faço minhas as palavras do Enio.
Como se sente escrevendo rigorosamente o que quer, da forma que quer, sem nenhuma outra responsabilidade a não ser a do próprio prazer?
Embora tenha vivido de escrever durante quase quarenta anos, eu me sinto fazendo uma coisa para mim completamente nova. O “escrever” publicitário guarda com o escrever autêntico, livre e sujeito apenas à consciência de quem escreve a mesma relação que existe talvez entre um viajante e um ascensorista.
Uma pergunta um tanto desconfortável, talvez: você tem ido a Araxá?
Não tenho ido. Mas, embora a velha cidade natal não apareça muito bem nas minhas “Memórias”, lembro que algumas pessoas queridas estão lá ou vieram de lá, como eu. A dificuldade é que discordo de que nossa cidade seja uma magnífica obra humana, algo a ser exibido com orgulho quando os ETs invadirem a Terra. Toda prefeitura deveria construir um letreiro como aquele de Hollywood no morro mais alto do lugar: “Bairrismo mata”.
Você fala do bairrismo de Araxá. O mesmo não se pode dizer desta Belo Horizonte? Ou a comparação entre um e outro provincianismo é descabida?
Bairrismo é uma praga, você sabe. Está em toda parte. Mas o fenômeno só começa a ser doentio quando cobre toda a compreensão e toda a capacidade autocrítica de uma neblina pesada. Minha aldeia passa a ser o mundo. Belo Horizonte me parece até bastante permeável ao “estrangeiro”, como toda cidade que nasceu artificialmente, preenchida com uma população vinda de fora.
Voltando à propaganda: outro publicitário da nossa época, meio geniozinho, o Neil Ferreira, dizia que não contratava redator que tivesse contos escondidos na gaveta. Dá pra comentar?
Não, não dá para comentar. O rapaz em questão foi realmente visto como “um geniozinho” da propaganda, com todas as distorções que decorrem do fato. Felizes dos contistas que não eram contratados por ele.
A propósito você ainda tem contos escondidos na gaveta?
Na gaveta, não mais. Foram todos libertados. Hoje, ou estão definitivamente rejeitados ou estão em andamento. Espero em breve incomodar você de novo com outro lançamento – se me quiserem, pela própria Moinhos.
Serviço
Lançamento de ‘Memórias dos abitantes de Paris’, de David Paiva, pela Coleção Moinhos; 312 páginas, R$ 42,00
Data: 14 de dezembro (sábado)
Horário: a partir das 10h
Local: Livraria e Editora Quixote
Endereço: Rua Fernandes Tourinho, 274 - Savassi
Nenhum comentário:
Postar um comentário