segunda-feira, 24 de março de 2014

Novo Urbanismo: Cidade pra gente, não pra carros

Dominadas pelo império dos carros, as cidades se tornaram segregadas, insustentáveis.

Por James Tulloch*
O futuro é urbano. Até aí nós sabemos. Mais da metade da humanidade hoje vive em cidades, e essa proporção está aumentando à medida que o campo se esvazia. Isso é uma boa notícia para o planeta?

As cidades são responsáveis por dois terços das emissões globais de gases de efeito estufa. Elas consomem enormes quantidades de energia e água, esgotam o solo, derrubam florestas e atuam como ímã, atraindo indústrias e automóveis que poluem. 
Por outro lado, a concentração de grande número de pessoas em um espaço compacto significa que se pode fornecer eletricidade, água, alimento e transporte de maneira mais eficiente e com menos desperdício. Trabalho, moradia, escola e serviços estão mais próximos.

Nos Estados Unidos, a pegada de carbono dos nova-iorquinos é a metade da pegada dos moradores de Denver, e isso se deve, em parte, à maior densidade populacional de Nova Iorque. Os habitantes de Denver moram em grandes casas de subúrbio e precisam de carro para ir a toda parte, enquanto os moradores de Manhattan vivem em apartamentos e podem andar de metrô ou a pé. Portanto, o impacto ambiental de uma cidade depende de seu tipo de urbanização.
A dimensão humana

Uma cidade é projetada para os carros ou para as pessoas? Ela cresce para cima, como Nova Iorque, ou se espalha horizontalmente, como Denver? 
O Novo Urbanismo, um movimento informal de arquitetos, projetistas e planejadores que tem florescido desde os anos 1990, responde a essas perguntas fundamentais sobre a vida urbana por meio da promoção dos seguintes princípios:


- cidades compactas e de alta densidade; 
- caminhabilidade; 
- trânsito de massa; 
- uso misto do solo.

À luz desses princípios, as cidades seriam redesenhadas em função das dimensões, dos movimentos e das necessidades do corpo humano, em vez de serem projetadas em função do automóvel, o qual requer muito mais espaço e combustível. Os carros também encorajam a expansão urbana, exigindo muitos quilômetros de tubulações, fiações e demais infraestruturas, além de moradias superdimensionadas.
Os centros das cidades se tornariam mais densamente ocupados, combinando áreas residenciais, comerciais e de escritórios, de modo que as pessoas pudessem se locomover facilmente entre elas a pé ou usando transporte público. Novas regras de zoneamento podem ser utilizadas para possibilitar que as pessoas vivam, trabalhem e se divirtam com maior proximidade entre si. Assim, o centro da cidade deixaria de ser um local-fantasma após o anoitecer.

Os edifícios seriam mais altos e as casas seriam substituídas por prédios de apartamentos que poderiam abrigar na cobertura jardins e restaurantes, escritórios e até mesmo estufas para agricultura verticalizada. Edifícios multiúso desse tipo já são a marca registrada de cidades asiáticas avançadas, como Tóquio ou Seul. 
A malha viária e de estacionamentos poderia ser reduzida, dando espaço para parques e chácaras urbanas. O transporte público seria a melhor maneira para se deslocar, como ocorre em Manhattan ou Tóquio.


Muitas cidades europeias construídas na época medieval já têm esse princípio incorporado ao seu tecido urbano e procuraram preservar esse legado. 
Outras, no entanto, adotaram a cultura automobilística, o que resultou nos engarrafamentos diários que os londrinos, por exemplo, têm de aguentar. Ao imitar os Estados Unidos, os britânicos se esqueceram de que vivem em uma ilha pequena e populosa, e não em uma vasta área continental.

Cidades mudam de marcha
Apesar de tudo, os erros do passado podem ser corrigidos. A tributação pode conter o uso dos carros e promover o transporte público, conforme o pedágio urbano em Londres comprovou.
A comunidade alemã de Vauban foi muito mais além e baniu os carros – as pessoas andam de bicicleta ou viajam de bonde até a cidade vizinha de Freiburg. Avenidas asfaltadas e os estacionamentos foram substituídos por gramados e canteiros de flores, e as crianças brincam nas ruas.
Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba e ganhador do Prêmio Ambiental das Nações Unidas, afirma que leva apenas três anos para transformar uma cidade para melhor, se houver vontade política.
Lerner é famoso por reestruturar o sistema de transporte de Curitiba, introduzindo um sistema de ônibus de circulação rápida que começou em 1974 com 25 mil passageiros por dia e hoje transporta 2,2 milhões de passageiros diariamente. A população da cidade duplicou desde 1974, mas o tráfego de carros diminuiu 30%.
“A cidade não é um problema, e sim uma solução de mudança climática”‘, diz Lerner em uma apresentação durante uma conferência anual do TED (Tecnologia, Entretenimento e Design). “Porém, não basta construir prédios ecológicos, usar novos materiais e novas fontes de energia. É preciso também inovar o conceito de projeto da cidade.”
O arquiteto dinamarquês Jan Gehl, consultor de projeto urbanístico para as cidades de Londres e Sydney, amplia essa visão em uma entrevista concedida à BBC, em que ele começa apontando onde é que os planejadores erraram:
“Os planejadores olhavam de cima os modelos em escala das cidades. O que faltou foi uma visão do ambiente na altura dos olhos.” Na prática, isso resultou num projeto muito mais adequado a uma máquina urbana do que a um habitat humano.
“Eu gostaria que as pessoas fossem tão visíveis para os planejadores quanto foram os carros nos últimos 50 anos,” diz Gehl. “Todas as cidades têm um departamento de trânsito para contar carros, mas nenhuma cidade que eu conheça tem um departamento de pedestres.”
Copenhague: o primeiro passo
Gehl explicou como Copenhague deu o primeiro passo. Calçadões de pedestres ampliados cruzam as esquinas, diluindo os limites entre áreas de trânsito e áreas para pedestres. Estudos mostram que esse tipo de ‘espaço compartilhado’ faz os motoristas diminuírem a velocidade, e isso aumenta a segurança no trânsito. O resultado é descrito pelo próprio Gehl: “Minha neta de sete anos pode ir andando sozinha para a escola sem ter de cruzar nenhuma rua”.

Uma cidade mais “caminhável” também será uma cidade mais ecologicamente correta. 
Existem mil coisas que as cidades podem fazer para reduzir o impacto climático: construções ecoamigáveis, reciclagem de água e lixo, sistemas de aquecimento distritais, iniciativas pró-energia renovável, redes inteligentes que permitem a geração e a distribuição local de energia – e todas essas coisas são muito importantes.

As chamadas ecocidades oferecem visões utópicas ao incorporarem muitas dessas inovações, porém as tão faladas cidades de Masdar, em Abu Dhabi, e Dongtan, na China, por enquanto só existem no papel.
O Novo Urbanismo nos desafia a repensar as cidades existentes e a redefinir para que serve, na verdade, uma cidade ou um carro. Jaime Lerner resumiu a questão de forma bem-humorada: “Carro é como sogra: você precisa manter um bom relacionamento com ela, mas ela não pode controlar a sua vida. Quando a única mulher na sua vida é a sogra, você está com problema”.
"Um pouco de Copenhague". Veja o vídeo.

* A reportagem é de James Tulloch, publicada originalmente no site Allianz.

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