terça-feira, 29 de julho de 2014

Socialismo ecológico

Marcus Eduardo de Oliveira

Mudar radicalmente a racionalidade econômica; aproximar as preocupações da ciência econômica para a necessidade de libertar o homem; criar um novo ambiente propício para a vida de todos os seres humanos, sem a divisão costumeira que privilegia alguns em detrimento de muitos e reconhecer, definitivamente, a existência de limites ecológicos ao crescimento físico da economia.

São esses alguns pontos centrais da discussão em torno do que se convenciona chamar de socialismo ecológico; ou como alguns preferem de eco-socialismo.

Socialismo, sim, no sentido de enaltecer os laços sociais e políticos que respeitam, primeiramente, a Mãe Terra. Socialismo no sentido de fazer a crítica verdadeira ao “deus-capitalismo” que se afirma consoante a ideia básica de que o mercado, altar sagrado do dinheiro, pode tudo.

Esse socialismo se põe em posição contrária a essa premissa, pois entende que o mercado é incapaz de resolver tudo e que o mundo não pode viver apenas de consumo e mais consumo, como o “deus-capitalismo” sempre quis que assim fosse e quer que assim seja.

A contradição entre capital e natureza aí está posta e deve ser repensada à luz de uma nova perspectiva que inclua, essencial e preferencialmente, o ser humano “dentro” do objeto de análise dos modelos econômicos, partindo da premissa que o mundo não é um objeto, uma simples e qualquer mercadoria pronta para ser digerida por bocas ávidas.

Se o consumo consome o consumidor, o socialismo ecológico, o eco-socialismo, vem para refutar o deus-mercado e pôr novas regras no jogo, defendendo as bases de sustentação da vida, condenando, primeiramente, o consumo artificialmente induzido pela publicidade que faz a sobrevivência daquele “deus” ora mencionado.

Esse socialismo ecológico, defendido pelo economista mexicano Enrique Leff, pelo sociólogo Michael Lowy, por Victor Wallis, John Bellamy Foster, Jean-Marie Harribey, Raymond Willians, David Pepper e tantos outros nomes de destaque, aponta para a necessidade de incutir no imaginário coletivo a verdade de que toda vez que o capital se constrói sob as ruínas da natureza é a vida de todos que entra em perigo.

Talvez seja por isso que Enrique Leff acertadamente pontua que “a economia está gerando a morte entrópica do mundo”. Essa “morte” é cada vez mais explícita quando se percebe que a única preocupação dos “Senhores da Economia Mundial” está em salvar o grande capital, não em salvar o planeta e a vida.

Por sinal, melhor seria dizer em salvar a vida, pois o planeta saberá viver sem nós, uma vez que não depende de nossa presença para sobreviver. Pelo lado da economia voraz e consumista, base do deus-mercado, que a tudo destrói em nome de atender aos ditames mercadológicos, somos sabedores de que a ordem da macroeconomia, comandada por esses “Senhores”, é uma só: fazer crescer e crescer e crescer cada vez mais a economia mundial.

Do outro lado, para o bem da sobrevivência e do respeito às leis da vida, a ordem da ecologia também é una: lutar pela possibilidade de assegurar a sobrevivência de nossa espécie.

Conquanto, o fato é que já não é mais possível aceitar a prédica mercadológica que faz com que uma minoria prospere enquanto a maioria conhece de perto o drama da exclusão numa sociedade que parece não ser de outra natureza além daquela consumista, insuflada pela propaganda, financiada pelo capital, destruidora da natureza.

Os que defendem o modelo de fazer a economia crescer fisicamente sem limites para assim promover a “felicidade geral”, como se isso fosse exequível, e como se não houvesse nenhum tipo de diferença socioeconômica, se equivocam ao ignorar que esse “crescimento” é dependente das leis da natureza e a natureza, em toda sua amplitude, não é (e nunca será) capaz de dar conta dessa política de crescimento.

Nesse sentido, a economia tradicional parece ser completamente míope em relação à necessidade de se regular a produção. Para o bem daqueles que se encontram ao lado da ecologia, contra essa economia destruidora, cabe atentar aos preceitos desse novo pensamento que ganha, cada vez mais, contorno de paradigma. Consoante a isso, analisemos a seguir o que tem dito, em especial, Lowy e Bellamy Foster que trabalham a ideia de “eco-socialismo”.

O eco-socialismo

Afinal, o que é o ecossocialismo? Para Lowy, (...) “trata-se de uma corrente de pensamento e de ação ecológica que toma para si as conquistas fundamentais do socialismo – ao mesmo tempo livrando-se de suas escórias produtivistas”.
Já o sociólogo John Bellamy Foster definiu o eco-socialismo como sendo “a regulação racional da produção, respeitando a relação metabólica entre os sistemas sociais e os sistemas naturais, de forma a garantir a satisfação das necessidades comuns das gerações presentes e futuras”.

Portanto, a definição dada por Foster não está muito distante da recomendação feita pelo Relatório Brundtland. Para melhor ilustrar-se essa questão, três aspectos realçam o posicionamento de Foster. São eles:

* O reconhecimento dos limites ao crescimento e a ruptura com a lógica produtivista que associa o aumento do bem-estar a um aumento da produção. Colocar o prefixo eco na palavra socialismo implica conciliar a igualdade intra-geracional com a igualdade inter-geracional;

* A reformulação do sistema produtivo de forma a torná-lo dependente unicamente do uso de recursos renováveis, articulando com o princípio anterior. Cumpre ressaltar que a sustentabilidade exige um uso dos recursos renováveis a um ritmo que garanta a sua renovação;

* O uso social da natureza, privilegiando a gestão comunitária de recursos comuns.

Como visto, os termos eco-socialismo e socialismo ecológico estão longe de serem apenas modismos ou meras retóricas românticas. São, ademais, conceitos que ganham contornos relevantes num mundo que vive intensamente a mais grave crise ecológica de toda a história. Para o bem de todos, o pensamento em defesa da sustentabilidade se fortalece no dia a dia. A natureza e a vida agradecem.
Economista e professor, com mestrado pela (USP) | prof.marcuseduardo@bol.com.br

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