sexta-feira, 18 de julho de 2014

Versos e guerra

Versos do poeta Paul Verlaine serviram de senha para a invasão da Normandia, pelas tropas aliadas.

Por Carlos Ávila*

“Les sanglots longs/des violons/de l’automne/blessent mon coeur/d’une langueur/monotone”. Há exatos 70 anos estes versos do poeta francês Paul Verlaine (1844/1896) serviram de senha para a invasão da Normandia (norte da França), pelas tropas aliadas, durante a Segunda Guerra Mundial. Corria o ano de 1944. Nos cinco dias que precederam o desembarque, os versos da “Chanson D’Automne” (“Canção do Outono”) foram transmitidos repetidamente pela BBC de Londres.

A mensagem (apenas a primeira estrofe do conhecido poema de Verlaine) foi decodificada pelo povo francês – subjugado pelos alemães –, particularmente pelos membros da resistência, avisando da invasão iminente. O que se seguiu todos sabem: uma virada importantíssima na guerra, no sentido de libertar o continente europeu dos nazistas.

Há algumas traduções do poema para o português. Talvez a mais antiga seja a do simbolista mineiro Alphonsus de Guimaraens: “Os soluços graves/dos violinos suaves/do outono/ferem a minh'alma/num langor de calma/e sono”. Existem duas outras traduções realizadas, respectivamente, pelos poetas Onestaldo de Pennafort e Guilherme de Almeida. Curiosamente, ambos traduzem a palavra violons (violinos, em francês) por violões, ao contrário de Alphonsus – com isso acabam “abrasileirando” um pouco o texto (já que nove entre dez brasileiros “arranham” o popular instrumento de cordas...).

Um outro poema francês, escrito por Paul Éluard (1895/1952), também foi utilizado durante a Segunda Guerra. Trata-se do famoso “Liberté” (“Liberdade” ). O poema foi lançado, em janeiro de 1942 (portanto, ainda antes da invasão da Normandia), em folhas soltas sobre a França ocupada, pelos aviões da RAF – a Força Aérea Britânica.

Milhares de exemplares com os versos de Élúard chegaram às mãos da Resistência francesa (da qual, inclusive, o poeta participava clandestinamente); eles deram um novo alento à luta pela libertação. Um dado interessante dessa história é que quem levou o poema escondido para fora da França foi o pintor pernambucano Cícero Dias (1907/2003), tornando possível a entrega do texto aos aliados ingleses. Dias, que morava em Paris e era amigo de Éluard, estava seguindo viagem para Lisboa na ocasião.

Trata-se de um poema longo. Nele o poeta surrealista afirma, repetidamente, ao final de cada estrofe, “j’écris ton nom” (“escrevo teu nome”). E o nome, a palavra final, é liberdade. Ainda durante a guerra, o poema foi traduzido no Brasil por Drummond e Manuel Bandeira e publicado com o título “Um único pensamento”. Termina assim: “E ao poder de uma palavra/recomeço minha vida/nasci para te conhecer/e te chamar/liberdade”.

Sim, liberté, liberdade, libertação... Que custou sangue, suor e lágrimas, e começou pelas praias do norte da França, há 70 anos atrás.
*Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto Sentido e Área de Risco (poesia); Poesia Pensada (crítica) e Bri Bri no canto do parque (infantil). Foi, por quatro anos (1995/98), editor do “Suplemento Literário de Minas Gerais”. Trabalhou também na Rede Minas de Televisão e foi editor do caderno de cultura do jornal “Hoje em Dia”. Participou de mais de vinte antologias no país e no exterior.

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