Nos bastidores do poder, falando o mínimo e em surdina, a eminência parda dá as ordens.
Por David Paiva*
Uma das personagens mais intrigantes do cenário político, em qualquer tempo ou lugar, é a da eminência parda. Atrás do trono ou da escrivaninha presidencial, falando o mínimo e em surdina, ela dá as ordens. É o dono – ou a dona – dos atos com que outros fazem a encenação de comando. Dizem que é o melhor poder do mundo, o poder sem ônus.
A ocorrência do tipo é mais antiga que a Sé de Braga. Até a Bíblia fala deles; um exemplo é o futuro Rei David. Ainda adolescente, tendo matado o gigante filisteu, tornou-se uma tremenda influência sobre o Rei Saul. Depois caiu em desgraça na corte e teve de fugir, mas isso é outra história. A eminência parda foi identificada e ganhou esse nome (ouéminence grise, no original francês) no reinado de Luís XIII. O cardeal Richelieu, seu ministro “todo poderoso”, tinha como secretário François Leclerc, um certo monsenhor que realmente dava as cartas; e o monsenhor inaugurou a série interminável.
Sempre homens ou mulheres que não apreciam a notoriedade (as razões variam) mas amam o usufruto do poder. Por prazer e vocação, operam fora e acima do cenário. No seu canto, podem ser diplomáticos ou ferozes, depende do quanto são reconhecidos como fontes de sabedoria e poder. Formam seu próprio círculo, seu clube particular de burocratas e serviçais de toda natureza, em especial dóceis profissionais de comunicação que lhes permitem controlar as várias formas de mídia, o que é mais de meio poder conquistado. Acima de tudo, impõem e preservam a própria adoração por aquele ser ao qual devem seu pardo poder. Começando por alguma espécie de ascendência, intelectual, de circunstância política ou familiar, acabam proprietárias da voz e da cabeça do “poder” dependente.
Monsenhor Leclerc vai se tornando raro no mundo moderno. Não que os governantes sejam agora mais capazes e autônomos, mas por que as eminências pardas, involuntariamente expostas, logo se tornam notórias e incômodas. Mesmo assim algumas resistem.
Já avançando o século 20, deu-se o caso mais famoso. Grigory Rasputin, camponês siberiano místico e priápico, foi introduzido na corte do tzar Nicolau II. Não demorou, toda a família real se submetia à sua influência, principalmente a tzarina Alexandra, a ponto de se opor ao marido para proteger Rasputin. Sob a orientação da sua eminência parda, a tzarina governava a Rússia loucamente, enquanto o tzar lutava na Grande Guerra. Menos de três meses antes do início da revolução de 1917, Rasputin foi assassinado.
Logo ali em Buenos Aires, outro caso em 1973: José López Rega, antigo secretário particular de Perón, assumiu um ministério quando este retornou à Presidência. Ao morrer o general, um ano depois, assumiu sua viúva – e vice-presidente – María Estela Martinez. Quase feito por ela primeiro-ministro, López Rega organizou o ministério e reservou para si o Bem-Estar Social, uma pasta popular. Praticante de ocultismos, ficou conhecido como “el brujo”, e a esse personagem a primeira mulher a presidir um país latino-americano obedecia cegamente.
No Brasil, narram testemunhas (e historiadores) da ditadura militar como Elio Gasperi e Mino Carta, o general Golbery do Couto e Silva também fez por merecer o título de Bruxo. Segundo eles, Golbery planejava, articulava e deixava as ações no ponto de serem executadas, e os outros as executavam na ilusão de que eram os autores. Sem excentricidades, um herdeiro de crenças da guerra fria, Golbery foi um talento de eminência parda – seja como for, era um espécime da fauna de ditaduras, absolutismos, autoritarismos em geral, incluindo os populistas.
Com eleições programadas e regulares, o Brasil supostamente não precisa mais dessa personagem. Evoluímos o bastante para dispensá-la, depois que pagamos caro para aprender que o poder deve estar em mãos visíveis, de preferência eleitas. Evoluímos?
Uma das personagens mais intrigantes do cenário político, em qualquer tempo ou lugar, é a da eminência parda. Atrás do trono ou da escrivaninha presidencial, falando o mínimo e em surdina, ela dá as ordens. É o dono – ou a dona – dos atos com que outros fazem a encenação de comando. Dizem que é o melhor poder do mundo, o poder sem ônus.
A ocorrência do tipo é mais antiga que a Sé de Braga. Até a Bíblia fala deles; um exemplo é o futuro Rei David. Ainda adolescente, tendo matado o gigante filisteu, tornou-se uma tremenda influência sobre o Rei Saul. Depois caiu em desgraça na corte e teve de fugir, mas isso é outra história. A eminência parda foi identificada e ganhou esse nome (ouéminence grise, no original francês) no reinado de Luís XIII. O cardeal Richelieu, seu ministro “todo poderoso”, tinha como secretário François Leclerc, um certo monsenhor que realmente dava as cartas; e o monsenhor inaugurou a série interminável.
Sempre homens ou mulheres que não apreciam a notoriedade (as razões variam) mas amam o usufruto do poder. Por prazer e vocação, operam fora e acima do cenário. No seu canto, podem ser diplomáticos ou ferozes, depende do quanto são reconhecidos como fontes de sabedoria e poder. Formam seu próprio círculo, seu clube particular de burocratas e serviçais de toda natureza, em especial dóceis profissionais de comunicação que lhes permitem controlar as várias formas de mídia, o que é mais de meio poder conquistado. Acima de tudo, impõem e preservam a própria adoração por aquele ser ao qual devem seu pardo poder. Começando por alguma espécie de ascendência, intelectual, de circunstância política ou familiar, acabam proprietárias da voz e da cabeça do “poder” dependente.
Monsenhor Leclerc vai se tornando raro no mundo moderno. Não que os governantes sejam agora mais capazes e autônomos, mas por que as eminências pardas, involuntariamente expostas, logo se tornam notórias e incômodas. Mesmo assim algumas resistem.
Já avançando o século 20, deu-se o caso mais famoso. Grigory Rasputin, camponês siberiano místico e priápico, foi introduzido na corte do tzar Nicolau II. Não demorou, toda a família real se submetia à sua influência, principalmente a tzarina Alexandra, a ponto de se opor ao marido para proteger Rasputin. Sob a orientação da sua eminência parda, a tzarina governava a Rússia loucamente, enquanto o tzar lutava na Grande Guerra. Menos de três meses antes do início da revolução de 1917, Rasputin foi assassinado.
Logo ali em Buenos Aires, outro caso em 1973: José López Rega, antigo secretário particular de Perón, assumiu um ministério quando este retornou à Presidência. Ao morrer o general, um ano depois, assumiu sua viúva – e vice-presidente – María Estela Martinez. Quase feito por ela primeiro-ministro, López Rega organizou o ministério e reservou para si o Bem-Estar Social, uma pasta popular. Praticante de ocultismos, ficou conhecido como “el brujo”, e a esse personagem a primeira mulher a presidir um país latino-americano obedecia cegamente.
No Brasil, narram testemunhas (e historiadores) da ditadura militar como Elio Gasperi e Mino Carta, o general Golbery do Couto e Silva também fez por merecer o título de Bruxo. Segundo eles, Golbery planejava, articulava e deixava as ações no ponto de serem executadas, e os outros as executavam na ilusão de que eram os autores. Sem excentricidades, um herdeiro de crenças da guerra fria, Golbery foi um talento de eminência parda – seja como for, era um espécime da fauna de ditaduras, absolutismos, autoritarismos em geral, incluindo os populistas.
Com eleições programadas e regulares, o Brasil supostamente não precisa mais dessa personagem. Evoluímos o bastante para dispensá-la, depois que pagamos caro para aprender que o poder deve estar em mãos visíveis, de preferência eleitas. Evoluímos?
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é autor do livro “Memórias dos ‘abitantes’ de Paris".
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