sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O desafio do papa para a unidade da fé

Quando padre, Bergoglio já dizia que a compreensão da fé conhece inúmeros graus de profundidade.

Por Antonio Spadaro*
Como é possível conservar a necessária unidade de confissão da fé e, ao mesmo tempo, ser aberto ao pluralismo teológico? Em 1984, o padre Jorge Mario Bergoglio, S.J. – na época, reitor do Colégio Maximo de San José, em San Miguel (Argentina), com as suas faculdades de Filosofia e Teologia – escreveu algumas reflexões, frutos de apontamentos de leitura de textos de Hans Urs von Balthasar e de Karl Lehmann, hoje cardeal.
A revista La Civiltà Cattolica recuperou e traduziu esse texto, que aborda uma pergunta de atualidade também agora. O jornal Corriere apresenta hoje uma antecipação desse amplo escrito.
A coisa que mais pressiona Bergoglio é fazer compreender que a resposta não é simples. De um lado, de fato, há o erro de querer reduzir tudo a um denominador comum, a uma unidade de fé totalmente abstrata. Isso, no fundo, implica que a pluralidade seja considerada como uma realidade negativa, gerando um espírito de reação, de conformismo, de gueto, de integrismo. Desse modo, a teologia renunciaria à sua missão criativa, acabando por se tornar ideologia. Por outro lado, se chegasse a não se preocupar com a unidade da fé, isso significaria a renúncia à verdade, o contentamento com perspectivas muito parciais e unilaterais. Qual é, portanto, a forma cristã de unidade?
O ano de 1984, lembramos, é o ano de vivos debates teológicos. É do dia 6 de agosto daquele ano a instrução Libertatis nuntius da Congregação para a Doutrina da Fé sobre alguns aspectos da teologia da libertação. Nesse contexto, Bergoglio adverte contra o perigo de reduzir a teologia a ideologia.
Precisamente por isso, ele articula a sua reflexão afirmando que a compreensão da fé conhece inúmeros graus de profundidade, porque o mistério cristão permanece como tal mesmo depois de ter sido revelado. Ele não é "domesticável": envolve um máximo de unidade no corpo de Cristo que é a Igreja, junto com um máximo de diferença entre os seus membros.
O sinal será a unanimidade na expressão plural. A unidade superior implica, portanto, que se suportem tensões e conflitos, que possam se mostrar como dissonâncias e que, contudo, nunca devem ser confundidos com os rumores dissonantes, com a "cacofonia", que é típica, por exemplo, do gnosticismo. Para Bergoglio, o autêntico pluralismo deve estar consciente do pleno pertencimento eclesial.
Por outro lado, a comunhão da Igreja pode ser garantida se ela se expressar no pluralismo da reflexão teológica. E, nessa dinâmica, entram em jogo a Sagrada Escritura como fundamento, as grandes tradições cristãs, mas certamente também a compreensão do homem e do presente.
Reencontramos nesse escrito complexo do Bergoglio ainda com menos de 50 anos as sementes de uma visão de amplo fôlego, que aponta para a unidade da fé, sem temer as diferenças e os desafios; uma perspectiva aberta a um sadio pluralismo que sabe evitar fechamentos em rígidos "esquemas mentais" e "hábitos de pensamento", como ele disse na sua extraordinária homilia do último domingo.
Corriere della Sera, 19-02-2015.
*Antonio Spadaro é jesuíta e diretor da revista La Civiltà Cattolica. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

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