segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O mundo exclusivo dos poderosos

Os grandes, que são poucos e ricos, esmagam os pequenos, que são muitos e pouco possuem.

Os smarphones cortaram a comunicação normal entre os humanos, substituindo-a por uma troca de mensagens.
Por Evaldo D´Assumpção*
Quase semprea tecnologia favorece muito pouco à grande parte da população. Quem duvidar que olhe em redor exercendo criteriosamente a consciência crítica.
Senão, vejamos. Exerci a medicina por 50 anos. Nessas cinco décadas, somadas ao tempo de estudante, vi medicamentos de enorme eficiência serem substituídos sorrateiramente por outros, nem tão eficazes, porém cercados de primorosa publicidade, seduzindo especialmente aos jovens médicos, cada vez mais numerosos. E todos eles de custo bem mais elevado. Para esta “sedução” utilizam brindes, impressos bem elaborados, jovens e bonitas funcionárias vestidas atrativamente para as visitas aos doutores em seus consultórios. Tudo isso para estimular a vaidade dos novos profissionais, que acreditando demonstrar perfeita atualização médica, trocam os velhos, mas eficientes recursos terapêuticos, por tecnologia de ponta, pelo “dernier cri” da farmacologia médica.
Na área de equipamentos vi a habilidade e sensibilidade pessoal dos médicos sendo progressivamente substituída por máquinas cada vez mais sofisticadas, proporcionando exames de pacientes à distância, sem qualquer contato com o médico, revelando coisas que, se honestamente avaliadas, nem tanto assim contribuem para um diagnóstico preciso. Contudo, o custo de tais exames vai às nuvens, ficando interditados à grande maioria da população, que na rede pública só os alcança, se existirem, depois de meses na fila de espera. Talvez nem precisando mais deles, pois já morreram em decorrência da doença não diagnosticada pelos meios clássicos, rápidos, eficientes e de baixo custo.
Com isso, o diagnóstico e tratamentos das doenças mais comuns, aquelas que afetam e fazem sofrer a grande maioria do povo, perdem lugar para a descoberta de síndromes raríssimas, com nomes difíceis de pronunciar e guardar, as quais só acometem a uma minoria que interessa somente aos pesquisadores, mas que quase nenhum benefício trás para os muitos e pequenos.
Para os que torcem o nariz diante dessas colocações, leiam a entrevista do Dr. Marco Bobbio na revista Veja, de 3 de dezembro pp., ou o livro que lançou durante sua visita ao Brasil no final do ano passado: “O Doente Imaginado”. Ele é simplesmente o chefe de um dos centros de referência em cardiologia da Itália, e filho do nada desconhecido filósofo Norberto Bobbio.
Migrando para outras áreas, tomemos a área da comunicação. Aqui podemos mergulhar na indústria da telefonia. Dos aparelhos fixos usados objetivamente para ouvir e falar com outras pessoas, descobrimos o celular, que facilitou enormemente essa atividade. Contudo logo vieram os Iphones, os smarphones e outros, que cortaram definitivamente a comunicação normal entre os humanos, substituindo-a por uma troca de mensagens com até 140 caracteres, frases com pseudo palavras, pois são onomatopeias ridículas: rs,kkk, etc. O que é pior: escravizando radicalmente as mentes e corações, uma vez que num restaurante, num cinema, num teatro e até nas celebrações religiosas, lá estão os novos debiloides de cabeça baixa, curvados sobre a maquininha infernal, digitando loucamente mensagens totalmente inúteis, que para os muitos ainda civilizados, são totalmente ininteligíveis.
E coitado dos pais fragilizados pela pressão publicitária, que se vêm obrigados a se privar do básico para dar aos seus pimpolhos, alguns de barba e até mães precoces, a última palavra em pseudo comunicação portátil. Experimente dar a eles um livro para ler, um romance clássico, um texto de cultura histórica, cívica ou psicológica. Irão ridicularizar aquele presente pré-histórico, mesmo porque não possuem a base cultural necessária para assimilá-los.
Esmagados por esse gigantesco rolo compressor, até as editoras de revistas e jornais vão sucumbindo a insana pressão tecnológica, substituindo suas publicações por edições digitais, que somente os possuidores de aparelhos rápidos e sofisticados, com capacitação adequada, poderão ter acesso. Com isso, o interior brasileiro, onde as provedoras de internet ainda utilizam a pior tecnologia possível, torturando os que já se submeteram à escravidão digital,pelo esforço de assistir na telinha que lhes custou caro, numa lentidão de fazer inveja às lesmas e tartarugas, o que somente os grandes, nas grandes cidades, conseguem alcançar confortavelmente.
E a população interiorana, carente de cultura, de civilidade, de informação, de consciência crítica, vai sendo esmagada, dominada e manipulada pela ignorância orquestrada principalmente pelos departamentos comerciais dos meios de comunicação impressos – jornais e revistas – que para cortar despesas e aumentar os lucros dificultam ou cancelam a distribuição dessas mídias impressas. Com isso eles vão lucrando no admirável mundo novo da tecnologia, que é maravilhoso para os grandes,que são poucos e muito ricos, contudo infernal para os pequenos, que são muitos e pouco possuindo.
*Evaldo D´Assumpção* é médico e escritor.

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