Nada do que o curso mais básico de medicina recomenda estava sendo colocado em prática.
Por Max Velati
Ontem minha esposa e eu fomos a um posto de saúde aqui do bairro. Eu estava preparado para enfrentar uma fila imensa, uma longa espera repleta de cenas fortes e funcionários cansados, mas os bancos estavam ocupados por meia dúzia de pessoas resignadamente calmas. O atendente demorou uns vinte minutos e quando apareceu, tinha o porte e os modos de um leão-de-xácara. Imaginei que ele fosse a razão de tanta ordem e silêncio.
Anotou os dados de minha esposa lutando contra a ortografia, a caligrafia e a pequenez da bic, completamente perdida em suas mãos de peso-pesado. A ficha com os garranchos foi para um escaninho e eu pensei que até ali tudo estava seguindo bem, estranhamente bem. O lugar estava vazio, limpo e silencioso. Confesso que esperava encontrar doentes pelo chão, gritos de parentes revoltados e outros dramas tão comuns nos noticiários.
Vinte minutos de espera e a médica chamou o nome de minha esposa. O fato da doutora estar em trajes civis, sem jaleco branco, não me incomodou. Havia um estetoscópio pendurado ao ombro e julguei que aquilo era suficiente como indicador de um curso completo de medicina. Pensei em acompanhar minha esposa durante o atendimento, mas espiei o "consultório 2" e o espaço mal dava para a médica e a mesa.
Com um sorriso conformado, voltei ao banco de espera e abri meu livro, satisfeito por verificar pessoalmente que o sistema de saúde não parecia assim tão doente.
Li ao todo nove linhas e minha esposa já estava de volta.
A doutora tinha conseguido a proeza de realizar um exame clínico padrão em dois ou três minutos, entre um "boa tarde" e "o próximo!"
No carro, perguntei o que tinha acontecido exatamente e minha esposa confirmou o óbvio. A médica não fez nenhuma pergunta, não realizou nenhum exame e não fez na prática nada a não ser sacudir a cabeça afirmativamente a cada dez segundos. Se minha esposa tivesse dengue, malária ou efeitos do antrax, não teria feito a menor diferença. E parece que o relato de 40 graus de febre na noite anterior não foi suficiente para espertar na médica sequer curiosidade.
Saímos horrorizados com o que soube depois ser uma cena comum e isso nos levou a concluir que pior do que ausência absoluta de médicos é a ausência relativa, quando não há médicos mesmo quando eles estão presentes.
Nada do que o curso mais básico de medicina recomenda estava sendo colocado em prática. Nenhuma empatia, nenhum tipo de anamnese, nenhum exame, nada. O nome completo pronunciado em voz alta e a cabeça sacudindo em assentimento vazio foi tudo o que recebemos pelos nossos impostos.
Fiquei horrorizado e entendi a recomendação de Hipócrates, que prevendo talvez o esgarçamento de sua arte, dizia que cada um deveria ser o seu próprio médico e deveria transformar os alimentos em remédios.
Ontem minha esposa e eu fomos a um posto de saúde aqui do bairro. Eu estava preparado para enfrentar uma fila imensa, uma longa espera repleta de cenas fortes e funcionários cansados, mas os bancos estavam ocupados por meia dúzia de pessoas resignadamente calmas. O atendente demorou uns vinte minutos e quando apareceu, tinha o porte e os modos de um leão-de-xácara. Imaginei que ele fosse a razão de tanta ordem e silêncio.
Anotou os dados de minha esposa lutando contra a ortografia, a caligrafia e a pequenez da bic, completamente perdida em suas mãos de peso-pesado. A ficha com os garranchos foi para um escaninho e eu pensei que até ali tudo estava seguindo bem, estranhamente bem. O lugar estava vazio, limpo e silencioso. Confesso que esperava encontrar doentes pelo chão, gritos de parentes revoltados e outros dramas tão comuns nos noticiários.
Vinte minutos de espera e a médica chamou o nome de minha esposa. O fato da doutora estar em trajes civis, sem jaleco branco, não me incomodou. Havia um estetoscópio pendurado ao ombro e julguei que aquilo era suficiente como indicador de um curso completo de medicina. Pensei em acompanhar minha esposa durante o atendimento, mas espiei o "consultório 2" e o espaço mal dava para a médica e a mesa.
Com um sorriso conformado, voltei ao banco de espera e abri meu livro, satisfeito por verificar pessoalmente que o sistema de saúde não parecia assim tão doente.
Li ao todo nove linhas e minha esposa já estava de volta.
A doutora tinha conseguido a proeza de realizar um exame clínico padrão em dois ou três minutos, entre um "boa tarde" e "o próximo!"
No carro, perguntei o que tinha acontecido exatamente e minha esposa confirmou o óbvio. A médica não fez nenhuma pergunta, não realizou nenhum exame e não fez na prática nada a não ser sacudir a cabeça afirmativamente a cada dez segundos. Se minha esposa tivesse dengue, malária ou efeitos do antrax, não teria feito a menor diferença. E parece que o relato de 40 graus de febre na noite anterior não foi suficiente para espertar na médica sequer curiosidade.
Saímos horrorizados com o que soube depois ser uma cena comum e isso nos levou a concluir que pior do que ausência absoluta de médicos é a ausência relativa, quando não há médicos mesmo quando eles estão presentes.
Nada do que o curso mais básico de medicina recomenda estava sendo colocado em prática. Nenhuma empatia, nenhum tipo de anamnese, nenhum exame, nada. O nome completo pronunciado em voz alta e a cabeça sacudindo em assentimento vazio foi tudo o que recebemos pelos nossos impostos.
Fiquei horrorizado e entendi a recomendação de Hipócrates, que prevendo talvez o esgarçamento de sua arte, dizia que cada um deveria ser o seu próprio médico e deveria transformar os alimentos em remédios.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de São Paulo.
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