sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Pátria Educadora

Menino segue até o final destruindo a sala e alguém então fala seriamente em chamar a polícia.
Por Max Velati*
Esta semana não foi difícil encontrar um assunto para a coluna. A montanha fedorenta de matéria-prima produzida pela política nacional fez – ao menos isso - a alegria de colunistas procurando pautas. O difícil mesmo foi escolher: a baixíssima popularidade da presidente Dilma? As maquinações recentes do arquivilão Eduardo Cunha? O rombo de R$ 51 bilhões oficialmente assumido pelo Governo? O aniversário do Lula, o ex-presidente em exercício, ganhando de presente o filho investigado na Operação Zelotes?
Tantos assuntos...
Foi por mero acaso que topei com um vídeo no Facebook e fiz então a minha escolha. Ali estava um bom resumo deste capítulo da nossa história, esta etapa tão dramática no presente e com promessas tão sombrias para o futuro.
O vídeo tem pouco mais de dois minutos. Foi feito com um celular e o ator principal é um menino de cinco ou seis anos. O cenário é uma sala de professores de uma escola qualquer. Um homem vai aparecer alguns instantes e tudo indica que seja um funcionário da escola. Vai tentar segurar o menino pelos braços. Outros adultos vão aparecer apenas rapidamente, mas durante todo o tempo vamos ouvir vozes indignadas exclamando “Solta ele!”, “Não segura!”, “A gente não pode bater nele!”. Os adultos estão exaltados, mas o menino está calmo.
E é na calma mais absoluta que ele está destruindo o lugar.
Com facilidade surpreendente para um menino de seis anos, ele está revirando cadeiras de escritório, colocando de pernas para o ar um banco de madeira e uma pesada mesa de reunião. Com a força de quem tem propósitos firmes, ele sacode as estantes abarrotadas de livros. Faz então uma pausa no trabalho e assume a pose caricata de quem está pensando, coçando com a mãozinha uma barba invisível. Retoma então a tarefa de demolição e decidiu que melhor do que jogar as estantes ao chão é atirar os livros na direção dos adultos. Faz isso com pontaria precoce enquanto os adultos não sabem se chamam a polícia ou o conselho tutelar.
Naquela sala ninguém na sala sabe o que fazer, só o menino.
Em outros países, outros tempos e outros contextos, o vídeo seria apenas o registro de uma criança muito mal educada. Mas olhando este pequeno demolidor e os adultos despreparados ao seu redor, temos um vídeo emblemático, uma evidência digital do perverso desequilíbrio moderno entre direitos e deveres.
O menino segue até o final destruindo a sala e alguém então fala seriamente em chamar a polícia. Neste ponto tenho a obrigação de lembrar ao leitor que se trata de um menino de seis anos. Outro adulto faz então uma sugestão preciosa: chamar os bombeiros. Isso mesmo. Para resolver o problema de um menino de seis anos destruindo o material da escola, a melhor solução que apareceu foi acionar o Corpo de Bombeiros.
Pensando bem, faz todo o sentido. A Pátria Educadora está em chamas!
PS: Eu já tinha escrito esta coluna quando vi na televisão outro vídeo emblemático. Um policial dos Estados Unidos foi expulso da corporação depois de ser filmado retirando com brutalidade da sala de aula uma aluna adolescente. Será que temos como opção só estes dois extremos?
O mundo está em chamas. Melhor mesmo chamar os bombeiros.
*Max Velati trabalhou muitos anos em Publicidade, Jornalismo e publicou sob pseudônimos uma dezena de livros sobre Filosofia e História para o público juvenil. Atualmente, além da literatura, é professor de esgrima e chargista de Economia da Folha de S. Paulo. Publica no Dom Total toda sexta feira.

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