A intensificação da produção gera cada vez mais acidentes de trabalho, muitas vezes ocultados.
Por Pedro Carrano*
A trabalhadora metalúrgica Rosa [nome fictício] teve a mão prensada e a ponta do dedo arrancada na prensa da empresa onde trabalhava, em Curitiba. “A prensa veio e bateu com tudo, arrancou a pele expondo a ponta do dedo. Não chegou a quebrar, só saiu parte da carne. Não cheguei a desmaiar, mas caí no chão e só sentia dor”, narra.
A história de Rosa é mais um dado na realidade cotidiana de muitos trabalhadores brasileiros. São vítimas dos acidentes no trabalho, inclusive com morte e doenças desenvolvidas no local de trabalho.
No início, Rosa contou com a atenção do médico da empresa, uma situação que nem sempre ocorre. Ela fez a cirurgia de reparação do dedo, via plano de saúde, mas optou por ficar encostada por um período menor do que o tempo recomendado pelos médicos. “Não quis parar pelo dinheiro, até sair o INSS demoraria muito. O médico me liberou com restrição, eu não poderia voltar a fazer o que fazia. Sentia dor”, relata.
A partir daí, a história dela teve o mesmo desfecho vivenciado por diversos operários e profissionais hoje, uma vez que a chefia e até mesmo colegas não aceitavam o ritmo mais lento com que Rosa regressou ao trabalho. “À primeira vista foi aceitável, mas depois notei que minha chefe não estava satisfeita”, resume.
Em abril de 2013, cinco meses após a mutilação, Rosa foi demitida pela empresa. A trabalhadora perdeu também o plano de saúde a que tinha direito, o que dificultou a continuidade das consultas para reparar os danos causados no seu dedo. “A empresa não falou nada, mas a gente sabe. Quando eu estava produzindo estava bom, a partir do momento que eu não produzia mais, me demitiram”, acredita.
Meta, acidente e lucro
A segurança do trabalho no interior da empresa é transformada em meta e monetizada, de maneira que os trabalhadores recebem participação nos lucros. Caso haja acidentes, o valor da participação diminui. Por essa razão, muitas vezes, “o trabalhador é obrigado a ocultar o acidente”, explica Pedro Ernani Kosiba, autor do livro Políticas públicas de educação em segurança do trabalho no Brasil (UTP, 2012).
O pesquisador opina que hoje o número de acidentes de trabalho é alto, embora oscile de ano para ano, aumentando em ciclos de expansão da economia. “Percebe-se que toda vez que a economia se aquece e se intensifica o ritmo de trabalho, aumentam os acidentes de trabalho, o que tem acontecido no início da década de 1970, no período da ditadura militar, e na metade da primeira década dos anos 2000”, afirma.
Uma das formas de acidente de trabalho que aumentou foram os acidentes de trajeto, explica. Os acidentes fatais, por sua vez, têm diminuído de uns anos para cá. No caso dos acidentes de trabalho, houve a criação de mecanismos que permitiram reduzir danos e levaram à diminuição do seu número total.
“De 2002 a 2008, novamente, as taxas cresceram com índices de estatística inferiores a década de 1970. Passaram de 1.199.672 em 1970 para 438.536 casos em 2008, com redução de 173,56%”, descreve Kosiba no seu livro. Mas as doenças e lesões causadas pelo ritmo de trabalho, mais silenciosas e difíceis de vincular com a atividade na produção, hoje atingem diversos ambientes e até mesmo profissionais liberais. “O objetivo das empresas é diminuir os custos ao máximo”, afirma.
Realidade subnotificada
Estamos diante de um cenário no qual a subnotificação dos acidentes e das doenças do trabalho é evidente. Um processo de mutilação, por exemplo, deve ser notificado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação Obrigatória (Sinan), notificação obrigatória do Sistema Único de Saúde (SUS), que deve enviar para a Vigilância Sanitária a informação para verificar se a causa está relacionada ao trabalho. Deve então haver a inspeção, multa e mudança do processo de trabalho.
Mas esse processo nem sempre se confirma na prática. “No caso de uma amputação na Klabin (empresa reflorestadora), por exemplo, o servidor da Vigilância Sanitária local não tem condições de entrar na fábrica e verificar. Outro exemplo: quantas pessoas, em Francisco Beltrão (Sudoeste do Paraná), onde está instalada a Sadia, vão ao posto de saúde com dores no ombro e não se vincula o problema com a fábrica?”, questiona Manoela Lorenzi, presidente do Sindicato de Nutricionistas do Paraná (Sinpar) e da Comissão Intersetorial de Saúde do trabalhador, que assessora o Conselho estadual de saúde.
Hoje, para a contabilidade de dados, a Previdência Social está focada no trabalhador formal, configurando então metade dos dados de adoecimento, uma vez que metade da população está na informalidade, descreve Manoela Lorenzi. “Exclui também os dados do serviço público e só agora está incluindo as trabalhadoras domésticas”, complementa.
No entanto, a Previdência Social criou o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), uma lista de adoecimento e ocupações que faz o nexo com as doenças que o empregado apresenta, a menos que a empresa comprove o contrário. “O NTEP aumenta os processos de nexos de doenças do trabalho”, afirma Manoela.
Outro vínculo que raramente é feito, mas é citado por especialistas: a relação entre as doenças do trabalho e as doenças psicológicas, questões que estão vinculadas.
Saúde do trabalhador
A Comissão Intersetorial de Saúde do trabalhador, que assessora o Conselho de Saúde estadual, tem participado dos “Ciclos de Debates de Saúde do Trabalhador”, promovidos nas 22 regionais do Paraná, entre 2011 e 2013, atingindo mais de 3 mil pessoas, entre sindicalistas, conselheiros de saúde, empregadores e gestores públicos.
Manoela Lorenzi aponta que, de acordo com a visão de Saúde do Trabalhador, a centralidade está no trabalhador como sujeito das ações. “Assessorados ou não, são os trabalhadores que conhecem o processo de trabalho e devem participar da definição da política pública e das prioridades a serem modificadas nos ambientes de trabalho. Isso foi incorporado pelo SUS e pela Constituição de 1988”, defende.
A Constituição de 1988 consolida uma política de Saúde do Trabalhador, inserida nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). “O princípio é de que a Saúde não se vende, se defende. Somos contrários à monetização da Saúde”, explica. O movimento sindical deve ser um ator central e assumir esse debate. Os sindicatos, diante da negligência das empresas, podem realizar, ao lado do trabalhador, por exemplo, os Comunicação de Acidente de Trabalho (CATs).
De forma mais ampla, o espaço dos Conselhos de Saúde deve debater a saúde do trabalhador e metas de saúde do trabalhador devem estar inseridas nesses espaços. O desafio, de acordo com essa visão, é que a doença passe a ser vinculada com a sua motivação, localizada no trabalho.
“Exemplos de mortalidade materna estão vinculados ao trabalho. São casos como infecção urinária na fábrica, quando uma trabalhadora vai menos ao banheiro e tem propensão à infeção, com maior possibilidade de ter um parto prematuro e maior probabilidade de a criança morrer.
Ou se adoece do trabalho ou pela falta dele. Como pensar então uma política de saúde? para nós, a saúde precisa começar a olhar para o processo de trabalho e identifi car a doença a partir disso”, descreve Manoela Lorenzi.
A história de Rosa é mais um dado na realidade cotidiana de muitos trabalhadores brasileiros. São vítimas dos acidentes no trabalho, inclusive com morte e doenças desenvolvidas no local de trabalho.
No início, Rosa contou com a atenção do médico da empresa, uma situação que nem sempre ocorre. Ela fez a cirurgia de reparação do dedo, via plano de saúde, mas optou por ficar encostada por um período menor do que o tempo recomendado pelos médicos. “Não quis parar pelo dinheiro, até sair o INSS demoraria muito. O médico me liberou com restrição, eu não poderia voltar a fazer o que fazia. Sentia dor”, relata.
A partir daí, a história dela teve o mesmo desfecho vivenciado por diversos operários e profissionais hoje, uma vez que a chefia e até mesmo colegas não aceitavam o ritmo mais lento com que Rosa regressou ao trabalho. “À primeira vista foi aceitável, mas depois notei que minha chefe não estava satisfeita”, resume.
Em abril de 2013, cinco meses após a mutilação, Rosa foi demitida pela empresa. A trabalhadora perdeu também o plano de saúde a que tinha direito, o que dificultou a continuidade das consultas para reparar os danos causados no seu dedo. “A empresa não falou nada, mas a gente sabe. Quando eu estava produzindo estava bom, a partir do momento que eu não produzia mais, me demitiram”, acredita.
Meta, acidente e lucro
A segurança do trabalho no interior da empresa é transformada em meta e monetizada, de maneira que os trabalhadores recebem participação nos lucros. Caso haja acidentes, o valor da participação diminui. Por essa razão, muitas vezes, “o trabalhador é obrigado a ocultar o acidente”, explica Pedro Ernani Kosiba, autor do livro Políticas públicas de educação em segurança do trabalho no Brasil (UTP, 2012).
O pesquisador opina que hoje o número de acidentes de trabalho é alto, embora oscile de ano para ano, aumentando em ciclos de expansão da economia. “Percebe-se que toda vez que a economia se aquece e se intensifica o ritmo de trabalho, aumentam os acidentes de trabalho, o que tem acontecido no início da década de 1970, no período da ditadura militar, e na metade da primeira década dos anos 2000”, afirma.
Uma das formas de acidente de trabalho que aumentou foram os acidentes de trajeto, explica. Os acidentes fatais, por sua vez, têm diminuído de uns anos para cá. No caso dos acidentes de trabalho, houve a criação de mecanismos que permitiram reduzir danos e levaram à diminuição do seu número total.
“De 2002 a 2008, novamente, as taxas cresceram com índices de estatística inferiores a década de 1970. Passaram de 1.199.672 em 1970 para 438.536 casos em 2008, com redução de 173,56%”, descreve Kosiba no seu livro. Mas as doenças e lesões causadas pelo ritmo de trabalho, mais silenciosas e difíceis de vincular com a atividade na produção, hoje atingem diversos ambientes e até mesmo profissionais liberais. “O objetivo das empresas é diminuir os custos ao máximo”, afirma.
Realidade subnotificada
Estamos diante de um cenário no qual a subnotificação dos acidentes e das doenças do trabalho é evidente. Um processo de mutilação, por exemplo, deve ser notificado no Sistema de Informação de Agravos de Notificação Obrigatória (Sinan), notificação obrigatória do Sistema Único de Saúde (SUS), que deve enviar para a Vigilância Sanitária a informação para verificar se a causa está relacionada ao trabalho. Deve então haver a inspeção, multa e mudança do processo de trabalho.
Mas esse processo nem sempre se confirma na prática. “No caso de uma amputação na Klabin (empresa reflorestadora), por exemplo, o servidor da Vigilância Sanitária local não tem condições de entrar na fábrica e verificar. Outro exemplo: quantas pessoas, em Francisco Beltrão (Sudoeste do Paraná), onde está instalada a Sadia, vão ao posto de saúde com dores no ombro e não se vincula o problema com a fábrica?”, questiona Manoela Lorenzi, presidente do Sindicato de Nutricionistas do Paraná (Sinpar) e da Comissão Intersetorial de Saúde do trabalhador, que assessora o Conselho estadual de saúde.
Hoje, para a contabilidade de dados, a Previdência Social está focada no trabalhador formal, configurando então metade dos dados de adoecimento, uma vez que metade da população está na informalidade, descreve Manoela Lorenzi. “Exclui também os dados do serviço público e só agora está incluindo as trabalhadoras domésticas”, complementa.
No entanto, a Previdência Social criou o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), uma lista de adoecimento e ocupações que faz o nexo com as doenças que o empregado apresenta, a menos que a empresa comprove o contrário. “O NTEP aumenta os processos de nexos de doenças do trabalho”, afirma Manoela.
Outro vínculo que raramente é feito, mas é citado por especialistas: a relação entre as doenças do trabalho e as doenças psicológicas, questões que estão vinculadas.
Saúde do trabalhador
A Comissão Intersetorial de Saúde do trabalhador, que assessora o Conselho de Saúde estadual, tem participado dos “Ciclos de Debates de Saúde do Trabalhador”, promovidos nas 22 regionais do Paraná, entre 2011 e 2013, atingindo mais de 3 mil pessoas, entre sindicalistas, conselheiros de saúde, empregadores e gestores públicos.
Manoela Lorenzi aponta que, de acordo com a visão de Saúde do Trabalhador, a centralidade está no trabalhador como sujeito das ações. “Assessorados ou não, são os trabalhadores que conhecem o processo de trabalho e devem participar da definição da política pública e das prioridades a serem modificadas nos ambientes de trabalho. Isso foi incorporado pelo SUS e pela Constituição de 1988”, defende.
A Constituição de 1988 consolida uma política de Saúde do Trabalhador, inserida nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). “O princípio é de que a Saúde não se vende, se defende. Somos contrários à monetização da Saúde”, explica. O movimento sindical deve ser um ator central e assumir esse debate. Os sindicatos, diante da negligência das empresas, podem realizar, ao lado do trabalhador, por exemplo, os Comunicação de Acidente de Trabalho (CATs).
De forma mais ampla, o espaço dos Conselhos de Saúde deve debater a saúde do trabalhador e metas de saúde do trabalhador devem estar inseridas nesses espaços. O desafio, de acordo com essa visão, é que a doença passe a ser vinculada com a sua motivação, localizada no trabalho.
“Exemplos de mortalidade materna estão vinculados ao trabalho. São casos como infecção urinária na fábrica, quando uma trabalhadora vai menos ao banheiro e tem propensão à infeção, com maior possibilidade de ter um parto prematuro e maior probabilidade de a criança morrer.
Ou se adoece do trabalho ou pela falta dele. Como pensar então uma política de saúde? para nós, a saúde precisa começar a olhar para o processo de trabalho e identifi car a doença a partir disso”, descreve Manoela Lorenzi.
* A reportagem de Pedro Carrano foi publicada pelo Brasil de Fato
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