segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Janelas abertas para dentro

Deletei da minha vida relações pautadas por interesse, falsas amizades, bajuladores de ocasião.
Por Ricardo Soares*
Outro dia li um belo texto do jornalista Lauro Lisboa Garcia falando da perda de dois jovens amigos de risadas inconfundíveis, festeiros e amantes da vida. Essas perdas se juntaram a outras neste ano de profunda tristeza, conta o Lauro. Não foi e nem tem sido mesmo um ano fácil e até por isso me identifiquei com o texto dele especialmente quando toca numa ferida que sempre nos incomoda e não creio ser apenas uma questão de "geração".
As dores do mundo, no atacado e varejo, nacionais e internacionais, nos fazem querer comprar uma passagem só de ida para Alfa Centauro, mas aqui constatamos, entre resignados e revoltados, que estamos presos mesmo na panela de pressão dessa triste época de falsos brilhantes. E no meio disso tudo, para nos descompensar, nos invade a sensação de que negligenciamos as relações, as amizades, os açucares e afetos até chegar ao ponto em que não há mais volta como bem lembrou o Lauro.
Com tanta gente padecendo de solidão e isolamento por opção fico pensando se é normal essa tendência coletiva ou se alguma coisa está definitivamente fora da ordem. Também sempre tive tendência ao isolamento e isso tem se acentuado, talvez porque quanto mais eu acumule decepções menos eu queira socializar. Levando em conta o que o Lauro escreveu, isso será comum nessa meia idade, nessa envelhescência, tema sobre o qual Tânia Celidonio, outra amiga, tem escrito ultimamente.  Deletei da minha vida relações pautadas por interesse, falsas amizades, bajuladores de ocasião, mas, até por isso, me magoei com mais frequência porque sempre acabo esperando mais dos seres humanos. E creio que seres humanos também deve ter esperado mais de mim.
Ao ficar hoje em dia a maior parte do meu tempo trabalhando em casa, cercado por cachorros e plantas, confesso que não sinto falta da vida acelerada que levei, especialmente quando era repórter da área de cultura e tinha que estar sintonizado no museu das grandes novidades.  Poucos amigos me bastam. A minha paciente companheira me basta. Mas sei que a frequência em que opero muitas vezes não está na mesma sintonia dos poucos que me suportam. Não tenho a menor condição de fazer um auto-diagnóstico e sinceramente me envergonho um pouco de estar aqui tomando o tempo de vocês com essas pequenas mazelas. É que creio que de fato elas não são apenas minhas mazelas. Mas as do Lauro Lisboa Garcia e a de tantos amigos e colegas – de profissão ou não -  que talvez cansados de tanto abrir janelas para fora começaram a abrir as janelas para dentro. Percorrer corredores internos em silêncio pode ser muito bom. Mas o tempo passa e quando você se isola deixa de dizer aquilo que devia ter dito a muitas pessoas queridas que não mandam aviso prévio para partir. A gente imagina que a comunicação virtual preencha essas lacunas. Mas não. Não deixe de ter mais perto quem você de fato ama e lhe faz falta. O trágico mistério da vida é que nada que é muito ruim costuma mandar avisos ou tocar altas sirenes.  E talvez isso fosse preciso para que fossemos menos injustos com quem amamos e menos severos com nós mesmos.
*Ricardo Soares é escritor, diretor de tv, roteirista e jornalista. Autor de 7 livros foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde", "Metrô News", "Diário do Grande Abc" e da revista "Rolling Stone".

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