segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O 'efeito presépio' e o valor das tradições

Por Come Se Non
Existem nas tradições lógicas profundas e complexas, que devem ser respeitadas na sua complexidade. A tradição cristã, e em particular a católico-romana, também não foge dessa lógica. Há quase 70 anos, um pároco pôs fogo noPapai Noel, no adro da Igreja, para "defender" o menino Jesus dos "cultos pagãos". Esse episódio ofereceu o impulso para Claude Lévi-Strauss escrever um belo opúsculo intitulado "Papai Noel justiçado", no qual jogava luz sobre a profunda continuidade entre culto pagão e culto cristão, com base na antiga festa do Sol Invictus, onde os temas da luz, das plantas sempre-verdes e dos "velhos/mortos" e das "crianças/bebês" se entrelaçam estruturalmente.
Ora, nesse contexto, quando a polêmica se torna vazia e formal, podemos encontrar o paradoxo pelo qual um prefeito como [Luca] Zaja, cuja sensibilidade para com o estrangeiro é proverbial, se torna o "defensor do presépio", pretendendo fazer passar o bispo de Pádua como um "inimigo do povo". [O prelado local, Dom Claudio Cipolla, afirmou que se poderia renunciar a algumas das "nossas tradições" ligadas ao Natal, sem especificar quais, a fim de manter a tranquilidade nas comunidades.]
A questão decisiva em tudo isso é aquilo que há muito tempo eu chamo de "efeito presépio". Gostaria de tentar explicá-lo brevemente. Em todas as grandes tradições, as passagens decisivas – no nosso caso católico, o Natal e a Páscoa – tornam-se "lugares de reconhecimento", não só religioso, mas cultural e social. "Fazer o presépio" no Natal e "visitar os sepulcros" na Páscoa tornam-se lugares de identidade.
Mas, justamente nessa passagem, as tradições se põem em risco, porque concentram em um ponto todas as "mensagens" e, precisamente por causa dessa "sobrecarga", correm o risco de perder o seu sentido.
O presépio, de modo exemplar, constitui um caso típico dessa "tentação". Presépio, em latim, diz "manjedoura" e constitui a "versão de Lucas" do modo de se mostrar do Salvador. Que Se revela aos pastores irregulares e não aos bons fiéis regulares do tempo. A tensão, nesse texto de Lucas, é entre a grandeza do Senhor e a pequenez humana que pode reconhecê-Lo apenas na irregularidade dos pastores.
Na versão de Mateus, em vez disso, a dose é ainda mais forte: a tensão é entre a estrela e os magos que a seguem, na sua condição de estrangeiros, e a hostilidade visceral dos residentes. O "presépio", misturando todas essas mensagens, corre o risco de não aumentar, mas de diminuir a força da tradição, reduzindo-a a um "bibelô" burguês.
O presépio significa que últimos, estrangeiros e irregulares reconhecem Jesus, enquanto governadores e residentes regulares tentam matá-lo. Exatamente como na Páscoa aqueles que sabem reconhecer Jesus são uma mulher de muitos maridos, um portador de deficiência grave como o cego e um morto como Lázaro. Essas são as categorias privilegiadas.
Diante do "significado" do presépio, é claro que o evocado pelo bispo de Pádua é um passo à frente e não um passo para trás. Enquanto aquilo que o governador do Vêneto defende como um bibelô é a sua mais clamorosa desmentida e contestação. Talvez chegou para ele também o momento da conversão?
O que o bispo de Pádua pediu, com palavras pacatas, é um passo à frente no significado autêntico do presépio. Eis as suas palavras: "Dar um passo para trás não significa criar o vazio ou favorecer intransigências laicistas, mas encontrar nas tradições, que nos pertencem e alimentam a nossa fé, gérmens de diálogo. O Natal, nesse sentido, é um exemplo extraordinário, uma ocasião de encontro com os muçulmanos, que reconhecem em Jesus um profeta e veneram Maria".
Só com um pequeno passo para trás se dá um grande passo para a frente. Na pura tradição cristã. E não é por acaso que os governadores opõem resistência.
Instituto Humanitas Unisinos

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