Com o lema "guerra deles, nossos mortos" toda a França se manifestou nesse sábado.
Por Ricardo Soares*
Mesmo com chuva intermitente muito dos que vivem em Paris saíram às ruas no último sábado de tempo feio por uma boa causa. Pelo fim do estado de emergência, pelo fim do preconceito contra imigrantes, contra a cassação de nacionalidade aos acusados de terrorismo e muito mais. Causas a quem é humanista – ou de esquerda como preferem outros – não faltam nessa época que em Paris, na França e também no Brasil os fascistas põe os caninos de fora para mandar para o paredão direitos há muito conquistados.
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Fosse no Brasil nossa moribunda imprensa diria que tinham na Place de La Republique e adjacências (rue de Temple, etc) umas 50 pessoas segundo a polícia militar. Ou diriam que é uma marcha bolivariana, convocada por sindicatos pagos pelo PT e que a culpa do trânsito ruim em Paris é do Lula e da Dilma. Mas, como estamos na França, a imprensa se comportou corretamente mostrando o fato, o ato e sendo justa com o número de participantes que (houve consenso) foi por volta de 20 mil manifestantes. A polícia, que não era a do Alckmin, observou tudo a distância e não apareceram provocadores como os que surgem, também aqui, chamando os manifestantes nas redes sociais de "ces crasseux" , "esses imundos".
Na entrada do metrô Republique e ao redor da praça muitos panfletos como os da "Alternative Libertaire" e do "Parti Communiste maoïste" eram distribuídos entre jovens, velhos, homens, mulheres e crianças que apesar da chuva tinham ali "um bom motivo para sair de casa" como anunciaram em suas convocatórias. E já marcaram a próxima manifestação: no próximo dia 5 de fevereiro, cinco da tarde, ao lado da Assembléia Nacional Francesa, sim, justo aquela onde os termos "direita" e "esquerda" tomaram corpo mundial.
A grande discussão que ali se trava é a votação, em breve, da manutenção ou não do estado de emergência que a principio deveria durar apenas por três meses a contar dos atentados de 13 de novembro aqui em Paris. Para o primeiro-ministro francês Manuel Valls o estado de emergência, a suspensão das liberdades civis, poderia durar 30 anos, declaração polêmica que de certa forma sintetiza os motivos da saída de Christiane Taubira, ex-ministra da Justiça e desde sempre identificada com os movimentos sociais. Para ela e outros a inclusão do estado de emergência e privação da nacionalidade na constituição iria quebrar com as bases da democracia. Foi uma resposta de Madame Taubira e dos movimentos de esquerda à guinada conservadora do governo Hollande-Valls.
Com o lema "guerra deles, nossos mortos" toda a França se manifestou nesse sábado e não apenas Paris onde além dos coletivos "Nós não vamos ceder" e "Pare de estado de emergência" outros grupos incluindo sindicatos (CGT, FSU, União da Magistratura) e associações de direitos humanos e de habitação botaram o bloco na rua para provar que as utopias não estão mortas apesar do hálito de enxofre que sopram os discursos neonazistas Europa afora.
O preconceito e a estigmatização de manifestantes e ativistas de movimentos sociais, de migrantes, de muçulmanos está na ordem do dia e é percebida, segundo parte da mídia francesa, especialmente nos "bairros populares". Andando por aqui sinceramente não se percebe no ar a tal "tensão racial" ou "social" que alguns garantem existir. E olha que não ando circulando pela Paris dos turistas. Por outro lado há um grau de irritabilidade que vai muito além da latência o que faz com que cidadãos batam boca por meros esbarrões nas ruas ou dentro do Metro.
Depois do último sábado em Paris a luta continua. Para os que querem o fim do estado de emergência e seu domínio do medo. Para os que querem a manutenção dele como garantia de que a "mão de ferro" vai impedir novos atentados. O que se tira disso tudo parece ser o seguinte: os franceses estão muito mais atentos e preocupados com os espíritos armados e belicosos e com a escalada da intolerância do que parecem estar os brasileiros, sobretudo os paulistanos. A essa altura se a polícia truculenta de Alckmin tivesse feito o que fez aqui em Paris eu lhes garanto que "o bicho pegava" para usar aqui o vulgo que resume tudo. No mínimo deveríamos copiar a iniciativa deles e ir para as ruas com muito mais organização e contundência para garantir que não nos seja tirado aquilo que custou muito conseguir. O fascismo grassa não só na França. É preciso estar atento e forte.
*Ricardo Soares é escritor , diretor de TV, roteirista e jornalista. Autor de sete livros foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde", "Diario do Grande ABC" e da revista "Rolling Stone".
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