segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Haverá fé sobre a terra, à volta de Jesus?

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Para o cristão, ter fé é fiar-se em um Deus que se revela no rosto de Jesus.
A fé não nos traz certeza alguma.
A fé não nos traz certeza alguma.
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Por Felipe Magalhães Francisco*

A pergunta de Jesus, se encontraria fé sobre a terra quando voltasse, traz um ponto de estranheza, pois soa-nos pessimista. Ao contrário das outras palavras de Jesus que sempre nos animam a esperança, lançando nossos olhos diretamente para o Reino que anuncia e inaugura. Qual o lugar, então, dessa pergunta, aparentemente pessimista, feita por ele? A intuição nos vem quando percebemos o contexto no qual ela foi levantada.

A pergunta é conclusão de uma parábola (cf. Lc 18,1-8) contada por Jesus, na qual os personagens são uma viúva injustiçada e um juiz injusto. A viúva, em busca de que a justiça se realizasse em sua vida, recorre a quem devia lhe fazer as vezes, solucionando seu problema. O juiz, que deveria ser o garantidor do direito e da justiça, recusa-se a desempenhar seu papel, pois não temia a Deus nem respeitava ninguém, segundo ele próprio diz, na parábola.

A insistência da viúva foi tanta que, ao fim, o juiz resolveu atender à mulher, empobrecida já por sua condição social de viúva, numa sociedade patriarcal, e também pelo motivo que a fez buscar o garantidor da justiça, sobre o qual o texto se cala. A solução do problema, feito pelo juiz, não se deu, no entanto, por ter se convencido de seu papel, mas por se sentir importunado pela mulher, e para evitar que ela até o agredisse.

O salto teológico feito por Jesus, como arremate da parábola, aponta-nos diretamente para a ação de Deus, que é sempre justiça, ao contrário do juiz iníquo. Diz Jesus que Deus fará justiça aos seus, bem depressa. E termina, enfim, lançando a pergunta de nosso ponto de partida. Agora, podemos considerar que a fé à qual Jesus se refere seja semelhante à da viúva: uma fé insistente, que se faz valer mesmo quando tudo aponta para o descaso e para a injustiça.

É bastante comum que as pessoas associem a fé às certezas transcendentes. A fé, no entanto, não nos traz certeza alguma. Tanto o é, que se houvéssemos certeza da existência de Deus, ou de um paraíso pós-morte, não precisaríamos acreditar, depositar nisso nossa confiança e esperança, apenas aceitar. Ter fé é fiar-se. E, no caso dos cristãos, fiar-se em um Deus que se revela no rosto de Jesus. A fé é um salto no escuro, em confiança; um santo que é apesar de... apesar de não ter certezas de que serei amparado, lanço-me em confiança, entregando-me a esse Deus que dá sinais, em toda a história, de ser cuidadoso e fiel.

Longe das certezas, a fé está mais próxima à firmeza, tal como a viúva insistente. Já nos tinha alertado o profeta Isaías a esse respeito: “Se não crerdes, não vos mantereis firmes” (7,9). Essa firmeza é o que me faz crer, confiar minha vida a Deus, apesar da dúvida e apesar da possibilidade de que tudo não passe de uma ilusão. A fé, nesse sentido, tal como os cristãos e cristãs professam, parte sempre de um “Creio...”, sustentado por um grande “Amém!”.

À pergunta de Jesus, ousamos responder que sim, que ele encontrará fé sobre a terra, enquanto os olhos se encherem de luz ao som do pronunciamento de seu nome e ao anúncio de sua Boa-Nova. O brilhar dos olhos, no encantamento por Jesus e por sua vida, é ponto de partida para a fé: como não crer e não nos manter firmes, diante desse que nos maravilha, levando-nos diretamente ao coração amoroso de Deus?

*Felipe Magalhães Francisco é mestre em Teologia, pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. Coordena a Comissão Arquidiocesana de Publicações, da Arquidiocese de Belo Horizonte. Articula a Editoria de Religião deste portal. É autor do livro de poemas Imprevisto (Penalux, 2015). Escreve às segundas-feiras. E-mail para contato: felipe.mfrancisco.teologia@gmail.com.

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