domtotal.com
Na disputa por estatueta de melhor atriz, Natalie Portman reproduz personalidade de viúva que buscou eternizar legado do marido assassinado.
Cena do filme "Jackie" do diretor chileno Pablo Larraín. (Divulgação)
Por Neusa Barbosa
Primeiro filme em língua inglesa do diretor chileno Pablo Larraín, “Jackie” não tem intenção de ser, a rigor, uma cinebiografia, no caso, a da ex-primeira dama norte-americana Jacqueline Kennedy (1929-1994).
Partindo de um roteiro de Noah Oppenheim, o filme escava com notável habilidade e ambição as camadas de uma personagem mítica e construtora de seu próprio mito, a partir do momento mais dramático de sua vida: o assassinato de seu primeiro marido, o presidente John F. Kennedy, em 22 de novembro de 1963.
“Jackie” equilibra um notável rigor na reconstituição de época – recorrendo a diversas imagens documentais – a uma disposição de explorar as múltiplas facetas e contradições de sua fascinante protagonista, vivida com uma precisão ao mesmo tempo apaixonada e distante pela atriz Natalie Portman, que recebeu uma das três indicações ao Oscar deste filme (as outras duas são pelo figurino e a trilha sonora original).
Fica patente que “Jackie” não visa meramente reproduzir os acontecimentos daquele fatídico dia em Dallas, mas sim apropriar-se deles a partir do ponto de vista da mulher que os sofre de maneira mais direta e contundente do que qualquer outra pessoa, ao mesmo tempo vítima e testemunha ocular de uma tragédia que alterou drasticamente sua história pessoal e a de sua nação.
Recorrendo a um episódio real, a entrevista da ex-primeira dama a um jornalista (Billy Crudup) uma semana depois da morte do marido (Caspar Phillipson), mas permitindo-se a liberdade de imaginar seus bastidores, o enredo avança em sua intenção de revelar Jackie, ela mesma uma ex-jornalista, como uma das principais autoras da mística que sobreviverá àquela morte.
Dando a Natalie Portman a chance de interpretar Jackie em situações públicas e privadas – como na noite em que ela percorre os corredores da Casa Branca, experimentando vestidos, bebendo e ouvindo música, numa expressão de sua profunda solidão -, expõe-se as cobranças a uma mulher levada a abraçar o papel de esposa e mãe exemplar, suportando as falhas de um marido na intimidade não tão perfeito quanto sua figura pública.
Mas, ao mesmo tempo, apesar da fragilidade do corpo e da voz, uma mulher também capaz de discordar de figuras poderosas, como seu cunhado, Bob Kennedy (Peter Sarsgard), e assessores do governo quando se trata de decidir sobre o funeral de JFK.
Um grande trunfo do filme é transformar pessoas públicas tão midiatizadas, quanto Bob e Jackie, em criaturas de carne e osso, curvadas sob o peso de uma grande dor, tendo de atender a um número infindável de obrigações em pouquíssimo tempo mas igualmente capazes de empatia. Para Jackie, sobretudo, a mudança de status era chocante. Do dia para a noite, ela se torna a viúva, a ex-primeira-dama que tem que empacotar suas coisas e mudar-se para que um outro casal, o novo presidente Lyndon Johnson (John Carroll Lynch) e sua mulher (Beth Grant), passem a habitar a casa que ela remodelou.
Uma sequência particularmente eloquente é quando Jackie conversa com um padre (John Hurt), expondo com notável sinceridade seus sentimentos feridos por infidelidades do marido e mesmo conflitos de fé. Nesta conversa sem testemunhas ou holofotes, resguardada pelo compromisso de confidencialidade do interlocutor, é talvez o momento em que se vê mais da peculiar mistura desta encarnação notável da ex-primeira dama construída pela atriz.
Diretor de filmes políticos como “No”, indicado ao Oscar de filme estrangeiro em 2013, o chileno Pablo Larraín mostra-se um diretor à altura, já que em sua obra sempre se mostrou capaz de explorar o avesso dos mitos, as manipulações da mídia e as contradições da narrativa pública que constitui todos os países.
Clique aqui, confira o trailer e onde o filme está em cartaz na Agenda Cultural!
Reuters
Nenhum comentário:
Postar um comentário