sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Papa Francisco e seu modo único de reformar

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A reforma de Francisco é sobretudo uma reforma de linguagem, a qual se deixa guiar pelos ventos da revolução pastoral causada pelo Vaticano II.
Francisco no encontro com os movimentos populares em 2015. O carro-chefe de sua reforma são os meios de comunicação.
Francisco no encontro com os movimentos populares em 2015. O carro-chefe de sua reforma são os meios de comunicação. (Reuters)
Por Mirticeli Dias de Medeiros*

Muito se fala da reforma de Papa Francisco. Se a história atestar que, de fato, as mudanças promovidas pelo papa argentino se tratarem, na sua constituição, especificamente de uma reforma, será a quinta na história da Igreja. A historiografia considera as reformas oficiais da cúria romana aquelas promovidas por Sisto V, Pio X, Paulo VI e João Paulo II.

No período renascentista, a partir da reforma de Sisto V (1588), a ideia de reforma se baseia na criação quase que exarcebada de dicastérios (secretarias que compõem a cúria romana), muitos dos quais, com o tempo, foram extintos por serem considerados desnecessários. De Pio X em diante, os papas reformadores farão justamente o contrário: trabalharão com a fusão de organismos e a promoção de realidades novas. Paulo VI criou os chamados conselhos pontifícios com o intuito de contemplar uma maior participação dos leigos e tocar temáticas praticamente inalcançáveis até a conclusão do Concílio Vaticano II. Pensemos, por exemplo, na criação do conselho pontifício para a promoção da unidade dos cristãos ou mesmo naquele voltado para o diálogo inter-religioso.

Fazendo esse pequeno “resgate histórico”, em qual dessas reformas a reforma de Francisco se enquadraria? Por incrível que pareça, em nenhuma delas. A reforma de Francisco é sobretudo uma reforma de linguagem, a qual se deixa guiar pelos ventos da revolução pastoral causada pelo Vaticano II. E isso vai além da integração ou supressão de organismos.

Por isso, o carro-chefe dessa reforma são justamente os meios de comunicação do Vaticano. No atual pontificado, eles foram completamente integrados e, em muitas de suas instâncias, os leigos têm voz ativa e assumiram funções até então desempenhadas somente por membros do clero. É o caso da espanhola Paloma Ovejero, a atual vice-diretora da Sala de Imprensa da Santa Sé. Ela entra para história por ser a primeira mulher à qual foi conferido o cargo desde que o organismo foi criado por Paulo VI, em 1966.

O fato de Francisco conceder uma série de entrevistas aos meios de comunicação das mais distintas linhas editoriais desde 2013 - ano de início do seu pontificado -, não é somente um reflexo da personalidade aberta do pontífice, mas do quanto o próprio papa toma a iniciativa de se tornar uma ponte entre a instituição e o mundo. Vale notar que as missas diárias celebradas pelo pontífice, até pouco tempo, privadas, na era do primeiro papa latino americano da história do catolicismo se transformam em “pílulas de mensagens pontifícias”, as quais, diariamente, o mundo inteiro tem acesso através das redes sociais.

Talvez seja muito cedo para falar de uma revolução de linguagem adotada pela Igreja ou mesmo considerar que Francisco já estabeleceu, de uma vez por todas, uma nova linguagem. No entanto, podemos considerar, no mínimo, que ele faz uso de uma via capaz de transformar o que seria uma simples reforma curial em uma reforma institucional, sem que, para isso, seja necessária a intervenção de um concílio.

*Mirticeli Dias de Medeiros é jornalista e bacharel em História da Igreja e bens culturais pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e atualmente, mestranda em História da Igreja na mesma instituição. Desde 2009, cobre primordialmente o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália, sendo uma das poucas jornalistas brasileiras credenciadas como vaticanista junto à Sala de Imprensa da Santa Sé.

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