terça-feira, 28 de novembro de 2017

Um retrato de época

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Visitantes inesperados, do artista russo Ilya Repin, exposto na Galeria Tretiakov, em Moscou.
Visitantes inesperados, do artista russo Ilya Repin, exposto na Galeria Tretiakov, em Moscou. (Reprodução)
Por Pablo Pires Fernandes*

Qualquer amante da arte deve ir à Rússia para desfrutar de perto os vastos tesouros guardados nos mais de 2 mil museus do país. A quantidade de instituições que abrigam obras de arte é enorme e, entre os mais importantes, há coleções que impressionam pela qualidade, volume e representatividade dos acervos.

Considerando apenas as maiores coleções, os números falam por si: O Hermitage e o Museu Russo, em São Petesburgo, abrigam, respectivamente, mais de 1 milhão e 400 mil obras de arte, sem contar outras milhares de peças de arqueologia e objetos históricos. Em Moscou, a antiga e a nova Galeria Tretiakov dispõem de 180 mil itens cada uma e os três prédios do Museu Pushkin outras 700 mil.

Em minha viagem à Rússia, tive o privilégio de ver de perto obras-primas de épocas, estilos e procedências diversas. Uma das muitas que me impressionaram foi Visitantes inesperados (ou Eles não o esperavam), de Ilya Repin (1844-1930). Segunda versão do mesmo tema, a tela demorou de 1884 a 1888 para ser finalizada. A intrigante cena familiar, com um jogo de olhares absolutamente particular, me despertou a vontade de usá-la como mote para criar uma breve ficção para o Dom Total. No entanto, ao pesquisar sobre o autor e a obra, descobri tantas informações preciosas que me vi impelido a compartilhá-las com o leitor.

Filho de um militar e uma professora, nasceu em Chuhuiv (atualmente na Ucrânia) e aos 20 anos ingressou na Academia Imperial de Artes, em um momento de transformação na arte e na sociedade russa. Considerado o maior nome do realismo russo do século 19, a grandeza de Repin na pintura é comparada na literatura à de Liev Tolstói (1828-1910), de quem foi amigo por 30 anos. Dedicou-se a registrar pessoas comuns como forma de denunciar as injustiças do Estado czarista e as contradições da sociedade da época, o que despertou o comentário de Fiódor Dostoiévski (1821-1881): “É impossível não amá-los, estes inocentes”.

Depois de consagrado, retratou personagens da elite política, mas era crítico do regime e, quando os bolcheviques fizeram a Revolução Russa, em 1917, recebeu-a com entusiasmo. Foi convidado oficialmente por Vladimir Lênin para morar em Moscou e servir de mestre à arte pretendida pelos revolucionários, o que viria a se tornar o realismo soviético, mas optou por viver em Kuokkala, onde morreu em 1930.

Repin é um importante exemplo do poder dos artistas de registrar a realidade poeticamente, mas de criar obras capazes de intervir nesta mesma realidade. O quadro Visitantes inesperados demonstra a potencialidade transformadora da arte. Diante da obra, não é difícil reconhecer a enorme dramaticidade, a densidade psicológica e a sugestão narrativa na cena. Tantas qualidades motivaram o psicólogo russo Alfred L. Yarbus (1914-1986) a realizar, na década de 1960, um estudo a respeito da obra. Pesquisador do movimento dos olhos e suas implicações para a atenção, Yarbus analisou a direção do olhar dos expectadores diante da tela de Repin. 
Estudo de Alfred L. Yarbus sobre o movimento dos olhos dos expectadores diante do quadro

Seu experimento causou impacto e ainda hoje é tema de ensaios e debates, pois resultou em importantes descobertas a respeito do movimento ocular e suas implicações para o comportamento humano.

P.S.: Amanhã, escrevo um texto ficcional inspirado em Visitantes inesperados, de Ilya Repin.

*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.

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