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Visitantes inesperados, do artista russo Ilya Repin, exposto na Galeria Tretiakov, em Moscou. (Reprodução)
Por Pablo Pires Fernandes*
Qualquer amante da arte deve ir à Rússia para desfrutar de perto os vastos tesouros guardados nos mais de 2 mil museus do país. A quantidade de instituições que abrigam obras de arte é enorme e, entre os mais importantes, há coleções que impressionam pela qualidade, volume e representatividade dos acervos.
Considerando apenas as maiores coleções, os números falam por si: O Hermitage e o Museu Russo, em São Petesburgo, abrigam, respectivamente, mais de 1 milhão e 400 mil obras de arte, sem contar outras milhares de peças de arqueologia e objetos históricos. Em Moscou, a antiga e a nova Galeria Tretiakov dispõem de 180 mil itens cada uma e os três prédios do Museu Pushkin outras 700 mil.
Em minha viagem à Rússia, tive o privilégio de ver de perto obras-primas de épocas, estilos e procedências diversas. Uma das muitas que me impressionaram foi Visitantes inesperados (ou Eles não o esperavam), de Ilya Repin (1844-1930). Segunda versão do mesmo tema, a tela demorou de 1884 a 1888 para ser finalizada. A intrigante cena familiar, com um jogo de olhares absolutamente particular, me despertou a vontade de usá-la como mote para criar uma breve ficção para o Dom Total. No entanto, ao pesquisar sobre o autor e a obra, descobri tantas informações preciosas que me vi impelido a compartilhá-las com o leitor.
Filho de um militar e uma professora, nasceu em Chuhuiv (atualmente na Ucrânia) e aos 20 anos ingressou na Academia Imperial de Artes, em um momento de transformação na arte e na sociedade russa. Considerado o maior nome do realismo russo do século 19, a grandeza de Repin na pintura é comparada na literatura à de Liev Tolstói (1828-1910), de quem foi amigo por 30 anos. Dedicou-se a registrar pessoas comuns como forma de denunciar as injustiças do Estado czarista e as contradições da sociedade da época, o que despertou o comentário de Fiódor Dostoiévski (1821-1881): “É impossível não amá-los, estes inocentes”.
Depois de consagrado, retratou personagens da elite política, mas era crítico do regime e, quando os bolcheviques fizeram a Revolução Russa, em 1917, recebeu-a com entusiasmo. Foi convidado oficialmente por Vladimir Lênin para morar em Moscou e servir de mestre à arte pretendida pelos revolucionários, o que viria a se tornar o realismo soviético, mas optou por viver em Kuokkala, onde morreu em 1930.
Repin é um importante exemplo do poder dos artistas de registrar a realidade poeticamente, mas de criar obras capazes de intervir nesta mesma realidade. O quadro Visitantes inesperados demonstra a potencialidade transformadora da arte. Diante da obra, não é difícil reconhecer a enorme dramaticidade, a densidade psicológica e a sugestão narrativa na cena. Tantas qualidades motivaram o psicólogo russo Alfred L. Yarbus (1914-1986) a realizar, na década de 1960, um estudo a respeito da obra. Pesquisador do movimento dos olhos e suas implicações para a atenção, Yarbus analisou a direção do olhar dos expectadores diante da tela de Repin.
Estudo de Alfred L. Yarbus sobre o movimento dos olhos dos expectadores diante do quadro
Seu experimento causou impacto e ainda hoje é tema de ensaios e debates, pois resultou em importantes descobertas a respeito do movimento ocular e suas implicações para o comportamento humano.
P.S.: Amanhã, escrevo um texto ficcional inspirado em Visitantes inesperados, de Ilya Repin.
*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.
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