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Alberto pensava sobre todas as escolhas que fizera. Havia sido mesmo necessário seguir o caminho do exílio?
Era um novo horizonte. (Reprodução)
Por Pablo Pires Fernandes*
As escolhas de Alberto não foram fáceis. Aos 15 anos, decidiu buscar novos horizontes e deixar a Holanda rumo ao Brasil. Os meses de ocupação alemã lhe pesavam mais a cada dia, a cada colega de escola que era levado pelos soldados com uniformes cinzentos, palavras rudes e gestos violentos. Mesmo despossuídos, os pais conseguiram que ele fosse de trem até a França, onde um amigo o levaria até Nice para tomar o navio. Quando acenava para o simpático Monsieur Gruberger no cais, teve a certeza de que nunca mais veria seus pais.
Alberto, como ficou registrado na imigração do Porto de Santos, optou por seguir para Minas Gerais, abandonando os companheiros de viagem que seguiram para o Sul. Preferiu adotar Belo Horizonte, uma cidade jovem, para não ter em mente nada que lhe remetesse ao passado, aos ventos frios e úmidos dos outonos de sua infância, dos canais congelados onde outrora se divertia patinando com os amigos.
Era um novo horizonte. As montanhas, tão distintas da paisagem holandesa, lhe pareciam que tudo estava por ser feito e conquistado. Casou-se com Sofia logo após o fim da guerra e se estabeleceu vendendo tecidos na Rua dos Caetés. A loja prosperou e, em alguns anos, A Holandesa era um nome conhecido na cidade, com gente rica comprando sedas e cetins e, os mais humildes, algodão e tergal.
A segunda escolha feita por Alberto foi deixar o país em 1971, pois, depois que os militares decretaram o AI-5, o país assistiu a uma história triste que lhe lembrava outra. Mais uma vez, Alberto assistiu ao desaparecimento de amigos e intuiu que não poderia ficar no Brasil. Com a família, mudou-se para o Chile, deixando para trás a estabilidade que tanto lhe custara a alcançar.
Não foi fácil vender a casa na Serra, tirar os filhos da escola – estupefatos, não entendiam o porquê de tanta pressa e qual a razão de ir para outro país. Sofia o apoiava e tentava explicar a necessidade de tal ato para a família, que não se conformava.
Em Santiago, Alberto conseguiu um emprego na Embaixada da Holanda e o salário era o suficiente para manter uma vida digna, embora abaixo dos padrões que tinha conquistado em Minas Gerais.
Foram quase dois anos e os meninos tinham se adaptado bem ao novo ambiente, falavam espanhol melhor do que ele próprio. Mas o ano de 1973 estava estranho. Greves e atentados deixavam o governo e todo o clima político na incerteza. Alberto já tinha visto este filme. Decidiu partir novamente e se mudou para Paris para um novo recomeço.
Agora, depois de anos de volta ao Brasil, com a casa cheia de netos, Alberto pensava sobre todas as escolhas que fizera. Havia sido mesmo necessário seguir o caminho do exílio? Será que o custo – para os filhos, para a mulher e para si próprio – valeu a pena? Acendeu um charuto e observou a agitação de sua casa naquele domingo. Diante das perguntas que fez para si mesmo, conformou-se, pois sabia que qualquer resposta seria incompleta e falha, apenas hipóteses e exercícios de imaginação. Desistiu de responde-las quando ouviu um sonoro “Tá na mesa”.
*Pablo Pires Fernandes é jornalista, subeditor do caderno de Cultura do Estado de Minas e responsável pelo caderno Pensar.
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