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É infeliz tentar fazer da Igreja um redil de pessoas perfeitas, ela não o é.
Tânia da Silva Mayer*
O Concílio Vaticano II é um dos responsáveis por propor o rompimento com uma compreensão de Igreja, segundo a qual ela é uma “sociedade perfeita” que abriga em seu interior os puros e os santos. A primavera eclesial viu florescer uma comunidade mais relacionada com o ser humano e seu mundo, esforçada em dialogar com as questões contemporâneas e buscando compreender o devir humano na história. Não é estranho que o sentimento conciliar tenha sido aquele de acolher como suas “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias” de cada pessoa. No entanto, essa progressiva abertura conflitou e continua conflitando com um sentimento e uma compreensão acostumada a separar a “gente da Igreja” da “gente do mundo” e, ainda, da “outra gente da Igreja”, reforçando uma postura superior e isolada que não contribui para com a divulgação do Evangelho.
À luz do Evangelho tais posturas não mais deveriam ser cultivadas por aqueles que se afirmam cristãos. Também é sob essa luz que elas tornam-se intoleráveis, tamanha e radical é a sua discrepância em relação à revelação do Deus de Jesus. É infeliz tentar fazer da Igreja um redil de pessoas perfeitas, ela não o é. Ninguém nessa comunidade está isenta dos vícios e pecados que nos dilaceram e nos fazem romper a relação com os outros, com o cosmos e Deus, nem mesmo o Francisco está isento disso. Dentre outros males, a corrupção e a pedofilia são realidades cruéis com as quais lidamos e nos obrigados a superar com justiça. A sede de poder e seus efeitos que não combinam com a vida cristã poderiam ser discutidos e esmiuçados, só para não enumerar outras tantas dificuldades que enfrentamos. Mas também é importante destacar que há homens e mulheres empenhados com a promoção do Reino de Deus nas realidades do mundo, muitas vezes de maneira silenciosa e até anônima.
Nessa esteira é que memoramos as razões que fundamentam a nossa fé, entre elas o desejo de que, ao menos entre os cristãos e as cristãs, não haja dissensões e conflitos que os acomode em castas de menor ou maior prestígio. Aliás, a práxis libertadora de Jesus se deu justamente em sentido contrário a esse. Precisamente, sua atuação junto àquelas pessoas e grupos deixados à margem da sociedade religiosa de sua época fez com que os rejeitados e excluídos encontrassem nele o irmão solidário e companheiro nas desventuras das estradas humanas. Por isso, ninguém jamais poderia negar o projeto abrangente de salvação que Deus revelou ao mundo em Jesus. Não há nenhuma realidade que não possa ser confrontada a experimentar o Reino em sua dinâmica libertadora e salvadora.
A estrela do oriente continua comunicando o Deus que se manifestou em nossa carne para que nos manifestássemos Nele no dia definitivo. É preciso, pois, caminharmos com coragem e esperança a fim de nos encontrar pessoalmente com o Senhor. É ele, em sua pobreza e pequenez, que nos ensina que o segredo do Reino não é nem a segregação e nem a exclusão. Precisamente, o segredo é incluir, e mesmo “os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (Ef 3,6).
*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.
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