quinta-feira, 7 de julho de 2016

Família: a regra é uma só, os modelos são muitos

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O Direito ampliou as possibilidades de construção de família.
É momento de considerar uma ética da família inclusiva e integral.
É momento de considerar uma ética da família inclusiva e integral.

Por Élio Gasda*

“A família é como a varíola: a gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida”. (Sartre). A família é uma instituição milenar muito, mas muito anterior ao cristianismo. Atualmente está saindo de um modelo patriarcal, matrimonializado e patrimonialista para outro, fundado nas relações afetivas. São desenhos múltiplos: matrimônios mistos, inter-religiosos, monoparentais, matrimônios combinados, mães de substituição, uniões homoafetivas. No Brasil, na metade dos lares não existe mais o modelo clássico, com pai, mãe e filhos do mesmo casamento (IBGE, Censo 2010). Preservativos, anticoncepcionais e a fertilização in vitro garantem a alternativa de uma vida sexual desvinculada do casamento.

O Direito ampliou as possibilidades de construção de família. A Constituição Federal de 1988 legitimou a união estável em suas varias modalidades. No Código Civil de 2003 a definição de Família abrange as unidades formadas por casamento, união estável ou comunidade de qualquer genitor e descendente. O casamento passou a ser a comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. O STF reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares constituídas entre pessoas do mesmo sexo. Seria um equívoco impor a todos os modelos de família os mesmos princípios e regramentos próprios da família tradicional cristã. O Estado laico entendeu que as famílias não são todas iguais.

As mudanças geraram uma crise no modelo católico tradicional de família. Seu conceito de família está marcado pelo principio estoicista da lei natural. O ato sexual é pecaminoso, dos males o casamento é o menor. A virgindade está mais próxima da santidade. O ato sexual somente se justifica pela procriação. Na exortação Amoris laetitia, se mantém a distinção entre situações ‘regulares’ e ‘irregulares’ do casamento. Nessa lógica, os divorciados católicos recasados são tratados como casais de segunda categoria, portanto, indignos do sacramento da Eucaristia (como se alguém fosse digno). Com razão, adverte Papa Francisco, que “um pastor não pode se sentir satisfeito apenas aplicando leis morais àqueles que vivem em situações 'irregulares', como se fossem pedras que se atiram contra a vida das pessoas” (Amoris laetitia, n. 305). Quem se encontra nessa condição é convidado ao discernimento e ao acompanhamento pastoral. Condenam-se famílias inteiras como ‘irregulares’ pelo fato de não encaixar em normas morais.

As orientações eclesiais servem para ajudar no juízo da consciência. A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo (Catecismo, n.1778). Lamenta Papa Francisco que “nos custa deixar espaço à consciência dos fiéis, que muitas vezes respondem o melhor que podem ao Evangelho no meio dos seus limites e são capazes de realizar o seu próprio discernimento perante situações onde se rompem todos os esquemas” (Amoris laetitia, n. 37). Antes de apressar-se em tirar pessoas da fila da comunhão, é preciso ter clareza da enorme complexidade de cada situação familiar (Amoris laetitia, n. 303). Certos casos, diz Papa Francisco, exigem a separação do casal na presença de violência ou de exploração contra os sujeitos mais frágeis (Amoris laetitia, n. 241).

Porque o meu casamento é melhor que o seu? Só porque está casado na Igreja? Uma declaração do Papa na quinta-feira (16/06) chamou a atenção dos ‘julgadores moralistas’: “É melhor um bom casamento depois de uma convivência do que um casamento improvisado. Uma parte dos matrimônios é nula por falta de consciência. Muitas vezes, as pessoas se casam por ‘fato social’. Uma convivência à espera de uma decisão verdadeiramente livre é preferível a um casamento de imagem rápido”. Que nenhuma família comece em qualquer de repente (Pe. Zezinho).

Nenhuma forma de relação afetiva-sexual pode ser universalizável e normativa para todos os outros.

É momento de considerar uma ética da família inclusiva e integral, que reconheça o valor de uma relação sexual informada pelo amor. A sexualidade deve ser considerada em relação às pessoas. A riqueza do amor humano implícito na sexualidade não se reduz à instituição do matrimonio heterossexual. É urgente inculturar o Evangelho no contexto da pluralidade dos novos modelos de família. Quem pede é Papa Francisco: “Quero reiterar que nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magisteriais. […] em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais” (Amoris laetitia, n. 3). “Abençoa Senhor as famílias, Amém!” Famílias, no plural e plurais. 

*Élio Gasda: Doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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